Os olhos dela
por Taiani Mendes“Uma filha do Camboja recorda”. Em seu quinto longa-metragem como diretora, Angelina Jolie une-se à sobrevivente Loung Ung para denunciar o genocídio perpetrado pelo Khmer Vermelho no país do sudeste asiático. A protagonista do drama é a própria Ung (interpretada por Sareum Srey Moch), com cinco anos na época em que os rebeldes comunistas invadiram a capital do país, Phnom Penh, obrigando sua família a largar todas as posses e se encaminhar ao interior. A evacuação por apenas três dias se revelou um suplício de anos que provocou a morte de cerca de ¼ da população. História pesadíssima que Jolie conta adotando o ponto de vista da mimada garotinha, sempre atenta e bastante silenciosa, que sofrendo ganhando força. A diretora, no entanto, não se contenta com o alcance micro da perspectiva adotada e alterna o ponto de vista da menina com inúmeras tomadas aéreas que, apesar de pertinentes para mostrar o tanto de vítimas, são tão exibicionistas que à certa altura transmitem mais o pensamento “Olha só, que plano lindo” do que o ambicionado “Caramba, olha o tamanho dessa tragédia”.
Perceptivelmente as intenções de Jolie são as melhores possíveis. Desde que filmou no Camboja Lara Croft: Tomb Raider, em 2001, ela tem uma conhecida relação de proximidade com a nação, onde inclusive adotou seu primeiro filho, Maddox Jolie-Pitt. Além do herdeiro, produtor executivo do longa, e de Loung, que assina com Angelina o roteiro, o premiado diretor Rithy Panh é outro cambojano envolvido na produção. É difícil pensar em alguém em Hollywood mais credenciado do que ela para narrar os chocantes fatos e é admirável o uso do khmer como língua e do elenco local, contando inclusive com vários iniciantes. Esses acertos, porém, são neutralizados pela direção problemática e roteiro ruim – terrível se tratando de diálogos. Não há qualquer confiança na transmissão das informações pelas imagens e tudo precisa ser dito pelos personagens, mesmo as coisas mais óbvias. Não apenas expositivas, as conversas são engessadas e todos os intérpretes são melhores quando calados, passando tudo pelo olhar e expressão corporal. É um grande alívio a personagem principal ser uma criança de poucas palavras.
Muitas sequências são mais lentas do que o normal, como num reflexo da falta de energia dos personagens, abatidos pela fome, trabalho extenuante, maus tratos e constante pavor. As imagens horríveis do dia a dia de Loung reverberam à noite, quando ela tem sonhos que não adicionam nada à trama (pelo contrário, são mais um exemplo de redundância) e abraçam a breguice, aumentando a porção melodrama de um longa com vocação subutilizada para a aventura.
Anunciada no título como o primeiro acontecimento, a morte do pai da narradora, militar do governo derrubado pelo Khmer Vermelho, ou seja, alvo prioritário, não acontece na primeira hora de filme. Além de exageradas (nenhuma novidade se tratando de produções originais Netflix), as duas horas e dezesseis minutos de duração são mal divididas, pois muito tempo é dedicado à rotina da família no campo de trabalho forçado e pouco ao treinamento militar da pequena Loung, sem contar o atropelado final.
A sangrenta história recente do Camboja é contada com muitos recursos financeiros e didatismo por uma valente Angelina Jolie, sem meias palavras (na verdade até com palavras sobrando) na hora de apontar os Estados Unidos como principal culpado pelo massacre da população. Sendo este já seu quinto longa, porém, fica complicado desprezar as falhas e obviedades de roteiro e direção, que não são de hoje, em nome da inegável boa intenção e importância do projeto. No fim das contas como cineasta ela é uma excelente ativista.