Críticas AdoroCinema
1,0
Muito ruim
Depois de Tudo

Quem é o inimigo?

por Francisco Russo

Após seguidas temporadas de sucesso nos palcos, era natural a ideia de levar a peça teatral “No Retrovisor” para o cinema – estranho mesmo é não aproveitar o título no filme, renomeado como Depois de Tudo. A manutenção dos atores, Marcelo Serrado e Otávio Müller, e ainda a presença do autor da peça entre os roteiristas, Marcelo Rubens Paiva, seriam a garantia de um mínimo de autenticidade em relação ao material original, obviamente adaptado para a nova mídia – não por acaso, os atores protagonistas ganharam versões mais jovens de si mesmos. O problema é que, no cinema, o texto soa exageradamente arrastado e sem inspiração.

A história gira em torno do reencontro de dois antigos amigos, o cantor brega cego Ney (Serrado) e o bancário Marcos (Müller), cujo relacionamento foi abalado décadas atrás por um fato marcante na vida de ambos: Bebel (Maria Casadevall). É a deixa para que o longa-metragem siga duas realidades interligadas, no presente e no passado, onde os personagens principais são interpretados por Romulo Estrela e César Cardadeiro. Se antes eles eram cheios de sonhos, donos de um bar sem se importar propriamente com o lucro obtido com o negócio, hoje levam uma vida conformada e, de certa forma, isolada. O reencontro é meio que o ajuste de contas de um bromance interrompido bruscamente.

Para contar esta história, o diretor João Araujo (O Magnata) aposta firme na (fictícia) imagem de vulcão sensual construída por Casadevall, sem no entanto trabalhar de forma adequada o envolvimento de sua Bebel com os dois amigos. Se com Marcos a atração é puramente carnal, nascida tão logo ela se mude para o prédio onde ele mora, com Ney a relação envolve troca de olhares e danças em conversas ao raiar do dia. Tudo sem muita sutileza, com direito a um amigo conversando com o outro enquanto está transando com a namorada, na maior normalidade. A falta de profundidade neste triângulo amoroso incomoda também pela obviedade com a qual é conduzida.

Paralelamente, há em Depois de Tudo um pano de fundo repleto de clichês envolvendo o idealismo dos jovens e o quanto os adultos são caretas, embalado ao som da canção “Soldados”, da Legião Urbana. Tudo deixa para que Ney e Marcos, envelhecidos, relembrem os bons momentos da juventude e para que a narrativa, de forma lenta e esperada, trilhe seu caminho até o “clímax” envolvendo o motivo que fez com que Ney ficasse cego. Algo que você, espectador, já adivinhou com algumas dezenas de minutos de antecedência e que, quando acontece, não traz o menor impacto.

Apesar de ter tantas pessoas ligadas ao material original, Depois de Tudo soa como um filme cansado. Tanto nas atuações quanto na direção e no roteiro, tudo segue de forma burocrática, sem vibração alguma, como se fosse um funcionário de saco cheio do serviço sendo obrigado a bater ponto todo dia.