Críticas AdoroCinema
3,0
Legal
Em Três Atos

Poesia do artifício

por Bruno Carmelo

O projeto poético da diretora Lúcia Murat vem coroado pela mistura de artes: a linguagem cinematográfica é a porta de entrada para cenas de dança contemporânea, citações literárias, música instrumental, encenações teatrais e apreciações da arquitetura do centro do Rio de Janeiro. Desde o início, a obra impregna-se do status cultural elevado das artes clássicas, tornando-se uma peça de cultura sofisticada e seletiva no que diz respeito ao público-alvo.

Através desta reunião de Belas Artes, o espectador descobre uma reflexão filosófica iniciada pelas ideias de Simone de Beauvoir, e aprofundada pelas imagens. Com três atos delimitados (o corpo, a morte, a despedida), Murat reflete sobre a imagem das mulheres em relação ao envelhecimento, além do medo da morte de si mesmas e dos entes queridos. Fala-se da perda de movimentos, da memória afetiva, da aceitação de si, da noção de perenidade.

Existe farto material para discussão através dos diálogos profundos, lidos por Nathália Timberg e Andréa Beltrão, e das coreografias encenadas por Angel Vianna e Maria Alice Poppe. Constitui um ato de coragem escolher atrizes e dançarinas octogenárias para refletirem, justamente, sobre a morte iminente e sobre a decadência do corpo. Soma-se a este peso sepulcral a presença quase exclusiva de mulheres em cena, algo raríssimo no cinema e louvável, portanto, pela representatividade das minorias.

Apesar de uma premissa tão instigante, Em Três Atos não atinge todo o seu potencial por limitações conceituais e de produção. Em termos de produção, incomoda o uso limitado dos espaços, com um cômodo simples obrigando a diretora a repetir os enquadramentos para a dança. Já as pequenas encenações fictícias, com Andréa Beltrão andando de costas para a imagem e virando-se para a câmera antes de pronunciar cada frase, são excessivamente artificiais, posadas, assim como a leitura de trechos literários com um tom supostamente realista.

O projeto é marcado pela briga constante entre o real (o movimento dos corpos, o discurso sobre a morte) e o artifício (as poses das atrizes, os enquadramentos, as fumaças dos cigarros destacadas pela fotografia), que nunca se resolve plenamente, nem se assume como contradição voluntária e metalinguística, como fez Jogo de Cena, de Eduardo Coutinho. Por um lado, os trechos de Simone de Beauvoir se caracterizam pela extrema entrega e intimismo, por outro lado, a declamação destas frases para a câmera dilui o tom de confidência e reduz sua verossimilhança.

Por fim, sobressaem-se ideias e imagens profundamente interessantes neste projeto, mas atenuadas pela indefinição de seu dispositivo. No meio do caminho entre o cerebral e o emocional, entre o cinema de autor clássico (com a mão visível da diretora na escolha da luz, dos enquadramentos, das poses) e o cinema de observação (a aspiração ao documentário), Em Três Atos satisfaz parcialmente. Merece aplausos, de qualquer maneira, pela ambição discursiva e estrutural.