Todos os homens amam Lou Andreas-Salomé
por Bruno CarmeloLou Andreas-Salomé foi uma intelectual à frente de seu tempo. Estudou compulsivamente numa época em que a moral cristã desaconselhava mulheres a se instruírem. Trancada com seus livros numa biblioteca, tornou-se filósofa, poeta, romancista e psicanalista. Criou obras sobre feminismo e sexualidade na segunda metade do século XIX, muito antes de as questões serem aprofundadas por estudos acadêmicos. Mesmo assim, apesar de tamanho pioneirismo, o filme dedicado a ela privilegia outro aspecto de sua vida: os relacionamentos amorosos.
O roteiro revela pelo menos cinco ligações passionais, nos quais os homens imploravam pelo afeto da mulher contrária ao casamento e à maternidade. Pelo ponto de vista da diretora Cordula Kablitz-Post, Lou teria literalmente enlouquecido Friedrich Nietzsche, levado ao delírio e à falência Paul Rée, quase causado o suicídio de Friedrich Carl Andreas, causado a estafa física de Rainer Maria Rilke e gerado a decadência de um homem religioso. Em todos os casos, o padrão se repete: os homens se apaixonam, se entregam, mas Lou os trata como amigos, como se não percebesse a evidente adoração por ela.
Esta abordagem é questionável por uma série de fatores: primeiro, porque soa retrógrado resumir o currículo de uma mulher à lista dos homens com quem se envolveu. Determinar a importância de uma personagem histórica pela intensidade de sua vida amorosa serve como desserviço à vida de uma intelectual para quem, justamente, o amor não era indispensável. No filme, Lou (Katharina Lorenz) repete a crença na fraternidade intelectual como principal elo com os homens, mas Kablitz-Post se interessa apenas pelo suspense sobre quem vai finalmente arrebatar o coração de uma moça tão difícil.
Segundo, o filme sofre de uma síndrome comum às cinebiografias, no caso, o fato de representar a vida de uma pessoa original e ousada da maneira menos original e ousada possível. A direção aposta numa linguagem saturada: a trilha sonora insistente aparece ao fim de qualquer cena emotiva, os cenários são decorados em excesso, como se a direção de arte quisesse imprimir verossimilhança pelo acúmulo, e os diálogos são explicativos. A própria filosofia é reduzida a algumas frases de efeito. O filme realmente não se preocupa com os pensamentos de sua protagonista.
Estas escolhas geram curiosa impressão de infantilidade. Lou Andreas-Salomé é descrita várias vezes como “uma criança” pelos parceiros, e Katharina Lorenz faz questão de tratá-la assim. A ingenuidade da personagem diante dos amores e a surpresa diante da pressão da mãe conservadora e maldosa fazem de seu feminismo menos uma postura política do que uma rebeldia pueril, uma vontade de burlar as regras por tédio, desgosto ou ambos. Apesar de ter em mãos de uma mulher tão racional, o filme a descreve como uma figura movida por impulso. Sua repetida fala sobre “não precisar de homens” é contradita pela narrativa cuja evolução ocorre unicamente graças aos homens que encontrou.
A trama melhora substancialmente na segunda metade. Quando Lou abandona um pouco a sucessão de amores frustrados e passa a se concentrar na velhice da personagem, com sua avaliação distanciada do passado, o projeto finalmente lhe confere autonomia e força. O olhar embasbacado de Lorenz é substituído pela atuação mais forte de Nicole Heesters, interpretando a filósofa quando adulta. Através de Heesters, a personagem consegue falar de sexo com naturalidade, ao invés da aparência de traquinagem que a jovem Lou conferia ao tema. É uma pena que Lou Andreas-Salomé receba tratamentos tão desiguais ao longo desta história. É ainda mais lamentável que não tenha se tornada óbvia a necessidade ética e estética do cinema em adequar sua forma ao conteúdo escolhido.