Pretensões não concretizadas
por Kalel AdolfoSe pensarmos em filmes recentes que tiveram lançamentos conturbados, Os Novos Mutantes definitivamente estará no topo da lista. Originalmente programado para abril de 2018, o derivado dos X-Men foi adiado quatro vezes e estreou com dois anos e meio de atraso nos cinemas. Com tantos imprevistos — incluindo a compra da Fox pela Disney e uma pandemia global — o longa ganhou status de lenda urbana. Aliás, muitos fãs acreditavam na possibilidade da obra ser regravada ou até descartada.
Contudo, a produção contrariou as expectativas e conseguiu estrear no Brasil esta semana. Na trama, cinco jovens são mantidos contra a própria vontade em uma espécie de hospital psiquiátrico. Lá, eles devem aprender a controlar os seus poderes com a ajuda da Dra. Reyes, interpretada por Alice Braga. E claro, não demora para eles perceberem que há intenções maléficas por trás de todo a iniciativa de “reeducá-los”.
À primeira vista, o crossover entre os filmes de heróis com o terror soa como uma decisão inovadora. Porém, Os Novos Mutantes não consegue atingir sucesso em nenhum desses gêneros, permanecendo em uma espécie de limbo cinematográfico. Em outras palavras, fica difícil entender o que a obra pretende transmitir ao público.
Ao tentar assustar, o longa de Josh Boone falha em criar uma atmosfera sufocante, recorrendo a jump scares ineficientes que são inseridos de forma abrupta na história. Há pouco espaço para a imaginação dos espectadores, e os confrontos — por mais macabros que tentem ser — são prejudicados por efeitos visuais datados, que reduzem a credibilidade do horror.
Nem mesmo o hospital psiquiátrico — um lugar naturalmente claustrofóbico — consegue impulsionar a tensão da experiência. Infelizmente, o potencial para criar uma ambientação incômoda acaba sendo desperdiçado em sequências apáticas, que não nos levam a lugar algum.
Um exemplo disso são as interações entre o grupo de mutantes. Além de serem desprovidos de química, os personagens acabam sendo envenenados por personalidades clichês. Illyana (Anya Taylor-Joy) é a típica adolescente esnobe, que mascara sua vulnerabilidade com atitudes arrogantes.
Danielle (Blu Hunt) — a protagonista do filme — não consegue entregar carisma, e os seus conflitos emocionais são pouco desenvolvidos pelo roteiro. Roberto (Henry Zaga) e Sam (Charlie Heaton) também são desfavorecidos pela obra, ganhando pouca influência no andamento da narrativa.
Até mesmo Alice Braga perde o seu brilho em meio a uma trama vazia. Quando não nos importamos com o elenco, é impossível criar conexão com o que estamos assistindo. O desperdício desses talentos é evidente, visto que Anya Taylor-Joy — por exemplo — alcançou reconhecimento mundial em A Bruxa e Fragmentado, que pertencem ao gênero que o longa tenta replicar.
Ao invés de aprofundar o passado destes mutantes, Josh Boone nos entrega flashbacks apressados, que não enriquecem a origem de personagens que são tão encantadores nos quadrinhos.
Os fãs dos X-Men — ou de super heróis — também não encontrarão muita diversão por aqui. Há poucos combates durante os 90 minutos de exibição, e todos eles são solucionados de maneira simplista. Mais uma vez, a empolgação das batalhas é anulada por um trabalho de computação gráfica que poderia pertencer a uma telenovela nacional.
O que impede a obra de ser um completo desastre são apenas dois fatores: a curiosidade de conferir algo que foi adiado por tanto tempo, e a proposta simples — mas eficiente — que nos faz querer saber se aqueles adolescentes irão escapar. Infelizmente, as respostas não são satisfatórias, e todos os pontos antagônicos são solucionados em um piscar de olhos.
Talvez o maior erro de Josh Boone tenha sido a sua pretensão. As ideias do cineasta estão lá, mas poderiam ter sido melhor executadas caso fossem aprofundadas e amadurecidas. Do jeito que o conceito foi apresentado ao público, é impossível não ter a sensação de que algo não está finalizado no longa.
Em todo o primeiro ato, os adolescentes entram em conflitos banais, conversam sobre a descoberta de seus poderes e vagam pelos corredores sombrios do hospital encontrando algumas figuras sinistras.
No momento em que o desfecho se aproxima, não há tempo para concluir a história coerentemente. Tudo se transforma em um grande caos narrativo, que não ofende e nem empolga. É como um delírio coletivo: em pouco tempo, nós esquecemos.