A Aardman já mostrou que pode mais
por Renato HermsdorffNão é de hoje que a disputa por uma fatia do mercado cinematográfico de animação virou briga de gente grande. Se, por um lado, é consenso que a Pixar elevou o sarrafo da criatividade narrativa com o lançamento de produções como Divertida Mente, WALL-E, Up, os estúdios Aardman, em comparação, poderiam facilmente ser classificados como uma espécie de "primo europeu" do braço deste segmento da Disney. O que, trocando em miúdos, significa pegar o mesmo nível de excelência criativa dos norte-americanos e acrescentar uma camada de charme retrô do stop motion em massinha, com lançamentos como Shaun: O Carneiro, A Fuga das Galinhas, Wallace & Gromit.
Curiosamente, o diretor Nick Park, que tem seu nome nos créditos dos três longas citados no parágrafo anterior, com a direção solo de O Homem das Cavernas, desperdiça oportunidades e conta uma história de forma tão convencional quanto a Idade da Pedra. O longa funciona, mas não vai além. E essa avaliação se justifica em retrospecto ao histórico do estúdio. Early Man (no original) é um salto menos ambicioso dentro da própria Aardman.
O esporte aqui, no entanto, é outro: O futebol. Correr atrás da bola para chutar para o gol, na versão dos roteiristas Mark Burton e James Higginson (profissionais recorrentes dos estúdios), foi uma prática inventada no tempo em que os homens das cavernas conviviam ainda com os dinossauros. A colisão de um meteoro com a Terra criou um oásis no meio do nada, onde a tribo de Dug (voz de Eddie Redmayne no original, Marco Luque na versão dublada) vivia pacificamente a caçar coelhos - numa interpretação errada das pinturas rupestres, eles acreditaram que os antepassados corriam atrás dos indefesos animais, e não de uma simples bola.
O sossego da tribo, alheia à passagem do tempo, é ameaçado pelos planos gananciosos de Lord Nooth (Tom Hiddleston), que vê no local uma potencial fonte de extração de minério. Desgarrado de seus pares, Dug acaba acidentalmente no meio da cidade grande - ou o equivalente a ela na Idade do Bronze. Lá, o vilão faz fortuna ao organizar partidas de futebol. E o protagonista, sem entender lhufas do esporte, acaba desafiando o experiente time local para uma partida que vale a retomada de seu vale.
O grande desafio de Dug é preparar seus conterrâneos para a peleja e, nessa empreitada, ele vai contar com o luxuoso auxílio de Goona (Maisie Williams). Por ser mulher, a personagem da atriz de Game of Thrones, apesar de saber tudo sobre o esporte, não pode integrar a equipe local.
A narrativa se desenvolve sem surpresas. E, apesar de pontuar questões importantes, o texto não aprofunda, exatamente, nenhuma dela. A ambição de Dug, o empoderamento feminino, a ganância do antagonista, a vaidade das estrelas do esporte são elementos apenas pincelados na trama. Uma vez abertas, as questões poderiam acrescentar camadas ao roteiro - sutilezas que tornam as produções da Aardman narrativamente tão ricas, aliás. Mas não é o que se vê.
O visual "old school" continua impecável e atraente. Mas a graça é pontual: da barata que assiste incólume à ameaça à Terra (você sabe, são elas que vão sobreviver ao apocalipse), da reconstrução das jogadas em "replay", da troça com a expectativa de vida naquela época, e, sobretudo, do uso que os "pré-históricos" fazem dos animais no cotidiano (um baby jacaré serve de pregador de roupa, um besouro atua como barbeador...) Num contexto mais amplo, no entanto, é pouco. A Aardman já mostrou que pode mais.