Liberdade de expressão
por Francisco RussoA abertura de Negação de imediato situa o espectador diante do que está por vir: em rápidos depoimentos, o historiador David Irving descarta a existência do Holocausto durante a Segunda Guerra Mundial, enquanto a pesquisadora Deborah Lipstadt questiona, em plena sala de aula, como provar a existência de fatos históricos consolidados. Se por um lado a negação pura e simples do Holocausto soa como afronta perante ao sofrimento de milhões de mortos e sobreviventes, tal confronto desperta questões bastante pertinentes ao mundo contemporâneo, especialmente em relação à liberdade de expressão. É neste aspecto que Negação, o filme, é bem interessante.
Baseado em fatos reais, esta coprodução com a BBC Films é o típico filme de tribunal, com heróis e vilões muito bem definidos. De um lado está Deborah, pesquisadora idealista que se dedica não apenas à verdade histórica, mas também em denunciar mentiras proferidas sobre o Holocausto; do outro está Irving, ardiloso e populista, buscando sempre os holofotes da fama. Por mais que sejam personagens um tanto quanto estereotipados, sem grandes alternâncias durante a história apresentada, ambos são bem representados por Rachel Weisz e Timothy Spall. É o confronto entre eles que move o longa-metragem, já que Irving decide processar a pesquisadora por difamação.
Mergulhando fundo no didatismo em torno do sistema judiciário britânico, que confere ao réu a necessidade de provar o que é apontado como difamação, Negação gasta um bom tempo não apenas nas minúcias do sistema, mas também na elaboração da tática empregada pelos advogados de Deborah. Se por um lado tal iniciativa soa como uma certa glorificação dos envolvidos, por outro a presença do sempre competente Tom Wilkinson ameniza tal sensação.
Entretanto, é a partir do julgamento em si que o longa-metragem cresce. Não propriamente pelo confronto de ideias apresentado, mas pelas nuances envolvendo a exploração da mídia a partir de um evento de notória repercussão. Se o impacto da decisão judicial perante fatos históricos por vezes torna-se menos importante, isto acontece devido à ascensão de outro tema de suma importância: a diferença entre ter liberdade de expressão e abusar da mesma. Em tempos de notícias falsas e pós-verdade, Negação soa bastante contemporâneo ao levantar a bandeira da necessidade de responsabilização do que é dito - por mais que este, no fim das contas, não seja propriamente o foco central da história apresentada.
Correto e bem atuado, Negação cumpre sua função de retratar nas telonas uma história real acontecida há menos de uma década, por mais que às vezes assuma traços típicos de telefilme, seja pelo didatismo ou pelos estereótipos narrativos e de personagens. Seja como curiosidade sobre os meandros da Justiça britânica ou pela discussão em torno da liberdade de expressão, respingando na cultura de ódio existente nas redes sociais, vale uma espiada.