Apenas mais um dia de guerra
por Bruno CarmeloUm salão de cabeleireiro na faixa de Gaza. Mulheres das mais diversas idades e opiniões se encontram: uma prepara o cabelo para sua cerimônia de casamento, outra espera por uma depilação, algumas acompanham as amigas. Lá fora, homens indistintos caminham de um lado para o outro, segurando um leão na coleira e carregando armas. Pode-se não compreender muito bem este cenário de ameaças, mas Dégradé se abre com o prenúncio de um confronto. Por mais que o salão seja marcado pelo clima descontraído, o ambiente ao redor sugere precaução.
Este é o ponto de partida do filme franco-palestino-catariano: retratar as divisões sociais pela separação física dos espaços e das funções. As mulheres são limitadas à esfera privada, enquanto os homens circulam pela esfera pública. Elas cuidam de questões familiares – casamento, filhos, a casa – enquanto eles fazem a guerra e governam o país. O retrato social desta comédia dramática vai além das imposições específicas da religião islâmica: os diretores Arab Nasser e Tarzan Nasser retratam um sistema patriarcal que ultrapassa fronteiras, como atesta a presença da dona do salão, uma imigrante russa vivendo uma relação igualmente hierarquizada com o marido.
Dégradé apresenta uma série de iniciativas interessantes, com destaque para a inversão dos papéis esperados de suas atrizes. Hiam Abbas, acostumada às personagens brutas e sofridas, se sai muito bem como uma cliente desbocada. Maisa Abd Elhadi parece se limitar inicialmente ao papel de beldade e contraponto romântico às atitudes masculinas, porém adiciona um bem-vindo aspecto amargo à personagem. O leão funciona como ferramenta de suspense e metáfora do conflito exterior: as mulheres desconhecem as origens e finalidades de ambos, mas não param de especular sobre os seus motivos. Enquanto brigam, verbal e fisicamente, revelam fissuras sociais e confrontos da política interna.
Apesar de conceitualmente louvável, o resultado é prejudicado por algumas escolhas de direção. Os irmãos Nasser encontram dificuldade em desenvolver o ritmo dentro de um único espaço – algo que o egípcio Clash fazia muito bem, em um local ainda menor – confinando as suas personagens às mesmas posições, sentadas numa disposição teatral durante 90 minutos. Os enquadramentos se repetem enquanto as personagens, um tanto estereotipadas, representam tipos úteis ao roteiro – a ingênua, a sexualizada, a religiosa, a romântica, a dominadora etc. O filme extrai um confronto eficaz entre elas, mas não permite que se desenvolvam ao longo da trama.
Por fim, esta leitura dos confrontos palestinos privilegia o impacto na vida dos cidadãos ao invés de apostar nas cenas de tiros e bombas. Os diretores sugerem os horrores pelo trabalho do som, evitando a guerra como gênero ou espetáculo. O resultado é um filme com a coragem de misturar guerra e humor, evitando maniqueísmos, porém incapaz de desenvolver as personagens com profundidade.