Críticas AdoroCinema
4,0
Muito bom
A Terra e a Sombra

Silêncio

por Francisco Russo

A grande surpresa ocorrida na cerimônia de premiação do Festival de Cannes 2015 foi que a Camera D’Or, prêmio concedido ao melhor filme de todas as mostras realizadas no evento, desde que o diretor tenha no máximo dois filmes no currículo, tenha ido não para o badalado Son of Saul - vencedor do Grande Prêmio do Júri -, mas para o até então pouco visto A Terra e a Sombra, exibido na Semana da Crítica. Rodado na Colômbia e coproduzido por mais quatro países, o Brasil inclusive, o longa-metragem acompanha uma família humilde, que vive em uma casa remota, próxima à plantação de cana de açúcar. É lá que um homem, com sérios problemas de saúde, mal consegue sair do quarto, tamanha sua fraqueza. Mais ainda: para que os problemas respiratórios não piorem ainda mais, todas as janelas da casa ficam permanentemente fechadas, o que dá ao ambiente a sensação de uma prisão.

Diante de tal proposta, o diretor César Acevedo explora com habilidade as sombras constantes dentro da casa, contrastando-as com a luminosidade reinante fora dela. É uma metáfora da própria vida: nas trevas há a morte, na luz a vida. Entretanto, mais do que apenas trabalhar o lado estético, Acevedo deseja mesmo é ressaltar a precariedade da vida ali existente. O desamparo surge não apenas na ausência de acompanhamento médico para o enfermo, mas também pela distância da casa em relação a qualquer outro traço de civilização. O filme ainda apresenta um interessante subtexto relacionado aos donos das plantações, típicos exploradores que exigem o máximo dos empregados mas não cumprem o mínimo, como pagamento em dia. Entretanto, por mais que sirva de denúncia contra tais abusos, o longa jamais assume tons panfletários. O interesse maior é na ambientação daquele contexto, de forma a provocar o máximo de autenticidade possível.

Na verdade, a grande matéria-prima trabalhada em A Terra e a Sombra é a dor. Seja a física, sentida a todo instante por Gerardo e ouvida pelo espectador a partir de seus murmúrios, ou a emocional, sofrida por todos que estão à sua volta, pela incapacidade de fazer algo. A única solução é esperar, e o filme também espera. Não é à toa que sua metade inicial seja tão contemplativa, seguindo um ritmo próprio, que por vezes incomoda: assim também é a vida daquelas pessoas, imobilizadas em torno da doença.

Bastante humano, A Terra e a Sombra é uma proposta conceitual muito bem conduzida pela direção e auxiliada pela bela fotografia de Mateo Guzmán, que acaba se sobressaindo às atuações do elenco (por mais que todos estejam bem). Trata-se de um filme de silêncios, profundos e reveladores, que transmitem o pesar de todos diante da situação. Destaque para a tocante (e desesperada) cena em que a esposa pede ajuda ao antigo chefe de seu marido, na plantação, e também para a sequência da queimada, impactante pelo gigantismo alcançado.

Filme visto na 39ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2015.