A influência do “homem branco”
por Renato HermsdorffCom Cabra Marcado Para Morrer (1985), Eduardo Coutinho voltava à comunidade de camponeses que tentou filmar nos anos 1960 mas tinha sido interrompido pela ditadura militar. A intenção do documentarista, lá trás, era fazer um filme de ficção com os locais sobre o assassinato de um líder deles. O filme inicial nunca aconteceu e o resultado, 17 anos depois, foi o início de um documentário sobre a trajetória dos remanescentes.
Da mesma forma, com A Nação que Não Esperou por Deus, a diretora Lucia Murat (Quase Dois Irmãos) documenta, 15 anos depois, a situação dos mesmos índios que participaram do longa de ficção lançado por ela em 2000, Brava Gente Brasileira.
É tão irresistível quanto injusto comparar o filme que agora chega ao circuito comercial no Brasil com o clássico dos clássicos (ao lado de Ilha das Flores) do cinema documental brasileiro. Até porque o projeto de Murat é despretensioso – para o bem e para o mal.
Para o bem porque a estrutura do documentário é bem simples e objetiva. O filme gira em torno dos kadiwéus, tribo que vive no Mato Grosso do Sul. De 1997 (quando começaram as filmagens de Brava Gente) até 2013 (quando do retorno da diretora para realizar o novo projeto), os indígenas passaram a conviver com a luz elétrica, a televisão, a religião evangélica – e claro, intensificou-se a luta contra os pecuaristas locais pela posse da terra.
O filme é um bom retrato da influência do homem branco. Murat, ao lado do codiretor Rodrigo Hinrichsen, justapõe as imagens dos mesmos personagens “antes” e “depois”, o que ilustra bem a dimensão da passagem do tempo. Não são mais índios que “apenas” usam shorts Adidas, mas que comem macarrão - e se recusam a acender vela para defunto, por influência da nova religião.
Por outro lado, a falta de um foco (um ângulo diferente poderia ser a questão religiosa, por exemplo) faz do filme trivial na discussão do embate étnico. Se, por um lado, os realizadores fogem do caminho fácil de idealização do povo indígena, se ausentando de qualquer julgamento (o que, claro, conta – e muito – a favor do documentário), o que justifica o recorte sobre aquela etnia em especial é simplesmente a relação que o povoado tem com a realização de Brava Gente, o que, por si só, para o espectador em geral, é um elo fraco.
E mesmo a discussão política, propriamente dita, é deixada apenas para o final do filme. Mas, pelo menos, está lá.