Os loucos são os outros
por Bruno CarmeloPhilippe Mars é o protótipo do “homem médio”. Ele leva uma vida rotineira, executa um trabalho pouco apaixonante sem se queixar, não demonstra interesse particular por nenhuma atividade ou pessoa. Nas palavras de sua filha, ele é um “loser”. Mas esta comédia franco-belga decide testar os limites da passividade de Philippe ao entregar em domicílio uma sucessão de tipos excêntricos e invasivos.
Más Notícias Para o Sr. Mars trabalha com a lógica da oposição: a tranquilidade do protagonista contra a agitação das pessoas ao redor, a previsibilidade de Philippe contra o festival de absurdos em sua vida. O diretor Dominik Moll, especialista dos embates caseiros e das comédias de costumes, aposta num mecanismo tão simples quanto sádico – ou seria um procedimento terapêutico? – para forçar o personagem a ver o mundo com outros olhos. Por isso, ele deve tolerar o colega de trabalho que foge do hospital psiquiátrico, o filho se tornando um vegetariano radical, a irmã abusando de sua confiança e alguns animais – cachorros, gatos, sapos – infiltrados no pequeno apartamento.
Durante três quartos da narrativa, esta comédia agridoce segue por um caminho divertido, porém previsível. Este é um samba de uma nota só: a cada cena um novo personagem se introduz na vida de Philippe, somando-se aos anteriores, enquanto o protagonista aceita o hóspede sem muita reclamação. O belga François Damiens tem se especializado neste papel de homem comum, como já mostrou em A Delicadeza do Amor e A Família Bélier. Aqui, ele comprova o domínio de suas expressões, adotando um semblante tragicômico diante das ações grotescas. A postura à la Buster Keaton é fundamental para o equilíbrio de uma produção que poderia facilmente cair no exagero.
No que diz respeito à direção, Moll permite que as suas cenas se estendam, apostando nos silêncios incômodos ao invés de gags visuais aceleradas. Este é um humor feito de tempos mortos, cores cinzentas e personagens melancólicos. A soma dos fatores contribui à impressão de uma sociedade fracassada – de modo geral, Más Notícias Para o Sr. Mars deve provocar mais sorrisos do que gargalhadas. Os atores coadjuvantes, apesar de competentes, não ganham espaço para criar algo além da caricatura de suas funções: Vincent Macaigne interpreta mais uma vez o tipo parasita e egocêntrico, enquanto Olivia Côte repete os trejeitos excêntricos de suas comédias anteriores.
O resultado é uma obra bem-sucedida na crença de que o humor pode nascer da linguagem cinematográfica, com as escolhas de direção e montagem, por exemplo, ao invés das piadas do roteiro. No entanto, trata-se de projeto pouco ambicioso dentro da carreira de Dominik Moll, que já propôs experiências muito mais radicais com o mecanismo de pessoas se enfrentando dentro de um apartamento (como Lemming - Instinto Animal e Harry Chegou Para Ajudar). Desta vez, Moll se contenta com os tiques e pequenos prazeres das comédias independentes.