O desgaste de um casamento
por Bruno CarmeloEste drama poderia ser interpretado como um filme de boxe. Uma briga ocupa dois terços da narrativa: de um lado está o marido, Boris (Cédric Kahn), um marceneiro de origem desfavorecida, e do outro lado está a esposa, Marie (Bérénice Béjo), de situação financeira mais confortável. Após quinze anos, o amor acaba e eles decidem se separar. Enquanto brigam a respeito dos termos do divórcio, moram sob o mesmo teto. A câmera impõe a si mesma uma restrição curiosa, limitando-se ao espaço da casa. Quando Boris ou Marie vão trabalhar, ficamos esperando por eles na sala, como um animal doméstico: o olhar do diretor permanece no ringue.
Por esta posição extrema, A Economia do Amor torna-se um filme claustrofóbico. O diretor Joachim Lafosse sabe muito bem como explorar cada cômodo, com belíssimos planos-sequência em steadycam. Mesmo assim, as interações se repetem, transmitindo ao espectador o cansaço vivido por aquele casal. Os gritos e brigas também se acumulam: durante o terço inicial e o terço final da narrativa, Boris e Marie se atacam, criticando um ao outro por serem ausentes, mesquinhos, incapazes de manterem promessas. Ele a chama de autoritária, ela o considera irresponsável. Eles abordam a separação em termos práticos, calculando o valor que cada um investiu na casa, o pagamento das prestações etc. Como sugere o título, estamos diante de uma questão econômica, além de afetiva.
Talvez a narrativa deste drama fosse reduzida a um curta-metragem se um advogado interviesse mais cedo. No entanto, Lafosse demonstra prazer em ver a dupla se digladiar em frente das filhas, introduzindo uma série de dificuldades suplementares para aumentar a tensão (doenças, pressão da mãe de Marie, atrito com os amigos do casal). O cineasta belga sempre demonstrou uma afeição sádica por questões morais (vide Aulas Particulares e Os Cavaleiros Brancos), mas desta vez demonstra um pouco mais de compaixão no retrato humano. O terço central da história traz duas cenas muito belas: a dança com as filhas e a visita à geladeira de madrugada. Estes momentos relembram o afeto que um já teve pelo outro no passado – algo essencial para a identificação do espectador e a humanização dos lutadores.
Os atores demonstram a amargura do término de modo competente, porém com pouca variação. Cada ator investe num tipo de violência distinto: Cédric Kahn adota o sarcasmo das palavras, numa agressão prestes a se tornar física, enquanto Bérénice Béjo exibe uma postura rígida, de falsa indiferença. Lafosse não explora as lágrimas, mas filma gritos à exaustão. Talvez o retrato fosse ainda mais potente se alguns desses conflitos se resolvessem sem que Boris ou Marie elevasse o tom da voz dentro de casa, ou seja, sem depender tanto de cenas de desconforto. A Economia do Amor traz uma produção bela e competente, mas poderia ser ainda melhor se não transmitisse ao ritmo do filme – e ao espectador, por extensão – o esgotamento físico e mental dos protagonistas.
PS: É curioso que tantas distribuidoras de dramas independentes no Brasil acrescentem “amor” ao título nacional. Este já é o sexto filme do ano que ganha “amor” no título embora o original não faça nenhuma menção ao termo – no caso, o filme franco-belga se chama “A Economia do Casal” em seu país de origem. Amor Por Direito, O Maior Amor do Mundo, Nahid – Amor e Liberdade, Um Amor à Altura e Lembranças de um Amor Eterno foram os outros títulos nacionais que embutiram amor onde não existia. Esta pode ser uma compreensível ferramenta comercial, porém o resultado é uma sucessão de nomes genéricos, supondo que o público seja incapaz de consumir um produto sem o sentimento explícito no título. Valeria a pena confiar mais no espectador.