Loucura na floresta
por Francisco RussoLogo de início, o preto e branco salta aos olhos. Não apenas pelo inusitado que é ver a floresta amazônica completamente sem cores, mas também pela beleza trazida pela proposta estética implementada pelo diretor Ciro Guerra e o diretor de fotografia David Gallegos. Este, no fim das contas, é um dos grandes trunfos entregues por esta produção colombiana, a primeira do país a conseguir uma vaga entre os indicados ao Oscar de melhor filme estrangeiro.
De fundo científico, O Abraço da Serpente é baseado nos diários de dois exploradores europeus, que vagaram pela Amazônia decididos a desvendar seus segredos nos primórdios do século XX. Cada um deles estrela uma ponta desta história, que tem no xamã Karamakate o elo de ligação. É ele quem conduz Théo (Jan Bijvoet) em sua jornada febril em busca de uma planta milagrosa, que pode salvá-lo da doença, e também quem, 40 anos depois, é procurado por Evan (Brionne Davis), que deseja seguir os passos de seu antecessor. Ao longo da jornada, é interessante notar a mudança de postura de Karamakate nestes dois momentos, revelada aos poucos.
Com a narrativa vagueando sem parar entre o passado e o presente, O Abraço da Serpente por vezes confunde o espectador pela ausência de elementos que difereciem cada época. A floresta, incólume na sua ausência de cores, também auxilia nesta dificuldade de percepção, já que a passagem do tempo é perceptível apenas em padrões humanos - os índios e brancos que por lá passeiam são apenas residentes temporários, enquanto a floresta permanece sempre.
Diante desta proposta de valorização da natureza e dos povos que vivem dela, o longa-metragem logo se torna um imenso estudo antropológico, como poucas vezes o cinema já produziu. Questões relevantes como a influência das missões jesuítas são apresentadas com uma crueza impressionante, sem se ter à versão oficial promulgada pela Igreja. Da mesma forma, o preconceito latente do homem branco perante os índios - e até mesmo entre as diferentes tribos - é ampliado à medida que a loucura da selva toma conta dos forasteiros. Isto sem deixar de lado os costumes indígenas, seja através de Karamakate ou de personagens menores que povoam a história.
Visualmente impressionante, O Abraço da Serpente demonstra força ao trazer uma jornada que explore também crenças e descobertas, sejam estas físicas ou de espírito. Se em certos momentos apresenta-se confuso, isto é também pela proposta narrativa fora do convencional e, de certa forma, ousada.
Filme visto na 39ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2015.