Críticas AdoroCinema
2,5
Regular
O Presente

Os segredos do meu amigo

por Bruno Carmelo

Um casal de classe média alta acaba de se mudar para uma grande casa, na intenção de superar traumas do passado. Enquanto fazem compras, cruzam com Gordo (Joel Edgerton), antigo colega de escola de Simon (Jason Bateman). O reencontro gera desconforto, mas a esposa Robyn (Rebecca Hall) simpatiza com o homem. Logo, ele passa a frequentar o lar do casal, aparecendo inesperadamente, enviando presentes... O que Gordo realmente deseja?

O Presente explora uma das premissas mais clássicas do suspense (ou drama) psicológico: a dos casais arruinados pela intromissão de um estranho. De Teorema a Atração Fatal, passando por Morando com o Perigo e O Vizinho, o subgênero costuma trabalhar a passagem gradativa da ameaça à agressão concreta. Oferece-se ao espectador a o prazer de testemunhar a desintegração de um núcleo estável, revelando o lado violento que supostamente dorme dentro de cada pessoa.

O principal mérito do longa-metragem de estreia de Joel Edgerton como diretor é fugir à progressão enunciada acima. A trama prioriza as sugestões e ambiguidades que podem, ou não, se concretizar na história. Os presentes de Gordo são intrusivos, mas não constituem uma ameaça em si: como reclamar à polícia de uma série de presentes? O espectador é levado a questionar a identidade dos personagens e julgar moralmente suas atitudes, o que torna a experiência instigante.

Apesar da boa premissa, Edgerton não faz um bom trabalho na direção. Suspenses precisam de uma exploração aprofundada do espaço e do tempo (essencial para criar tensão), mas o cineasta filma os cômodos da casa de maneira repetitiva, abusando dos planos e contraplanos durante os diálogos. O elenco não ajuda: Jason Bateman, com sua típica expressão de desinteresse, não convence como antigo garoto popular da escola, enquanto Rebecca Hall, apropriando-se das falas com rispidez, não transmite a tolerância extrema que o roteiro atribui à sua personagem.

Outros aspectos incomodam, como a passividade dos personagens. O casal se sente ameaçado, mas nunca cogita proteger a entrada da casa, onde aparecem os repetidos presentes. Simon, especialista na proteção informática de documentos, guarda papéis secretos em envelopes de papel ao lado de seu computador, com o nome das pessoas investigadas escritas na parte externa... Tudo funciona como se o casal quisesse, inconscientemente, ser atacado: O Presente abriga em si uma pulsão sadomasoquista. Isso sem falar nos efeitos sonoros redundantes, que anunciam os sustos antes de acontecerem (reduzindo sua potência) e na misoginia dominante rumo ao final.

É louvável ver o interesse de Joel Edgerton pela psicologia dos personagens. Ele demonstra potencial em sua estreia como diretor, mas falta desenvolver a dinâmica da mise en scène – afinal, 80% das cenas de O Presente ocorrem com os três personagens sentados, ou de pé na cozinha, desenvolvendo o conflito através de diálogos. O filme seria mais complexo se criasse medo de modo visual, pela construção dos enquadramentos e da iluminação, ao invés de apostar todas as fichas no roteiro. Mesmo assim, pela ousadia do tema e pela humildade de reservar a si mesmo um papel menor, deve-se reconhecer os méritos de Edgerton.