Críticas AdoroCinema
3,0
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Saint Amour - Na Rota do Vinho

Enologia de banca de jornal

por Taiani Mendes

Road movie é a expressão em gênero da transformação que geralmente ocorre com o protagonista no decorrer de um filme. De um ponto a outro, o inesperado no caminho, encontros marcantes e nada será como antes. Saint Amour – Na Rota do Vinho coloca na estrada Jean (Gérard Depardieu), Bruno (Benoît Poelvoorde) e Mike (Vincent Lacoste) e, seguindo a “norma”, ninguém termina como começou, mas o diferencial é que eles não mudam necessariamente, apenas perdem o medo de mostrar quem realmente são. Uma jornada de desnudamento encorajada pelo vinho. De certa maneira.

Determinado a vencer a competição do Salão de Agricultura de Paris, Jean leva suas vacas ao evento auxiliado pelo filho Bruno, que vê no local apenas mais uma bela oportunidade de encher a cara de álcool e tentar ficar com alguma mulher. A divergência de objetivos não é só essa. Infeliz, solitário e cansado da rotina sem férias, Bruno pensa em arrumar outro emprego, para decepção do pai orgulhoso do ofício. A escapada de Bruno na feira, fazendo a rota do vinho pelos estandes, é registrada pelos diretores Benoît Delépine e Gustave Kervern com intimidade inspirada no cinema direto. Câmera na mão, câmera no rosto dos personagens, o calor humano dos visitantes e o suor bêbado do personagem de Poelvoorde quase táteis. O sentimento de opressão que acachapa Bruno, transmitido ao espectador, é substituído pela liberdade da estrada, do céu, do verde, da realização do sonho, quando Jean decide levar o herdeiro para fazer de verdade a rota do vinho. Eles são conduzidos pelo taxista Mike e aproveitam a posição privilegiada de clientes para se vingar do histórico menosprezo aos camponeses zoando o nome americanizado do jovem e sua arrogância parisiense. Ele tem o carro, eles têm o dinheiro, o poder é equilibrado e a comédia dramática parte então para a investigação das questões individuais do trio. Os planos próximos, mantidos quando no carro, dão cada vez mais espaço aos abertos, às paisagens. A mudança se encaminha, todos precisam se abrir.

Saint Amour é nome de um vilarejo francês, de vinho e a condição em comum que torna a vida dos três dolorosa. É a carência que acaba com as diferenças de idade, origem e profissão e faz com que aos poucos eles coloquem para fora seus reais sentimentos, fortalecendo um laço que a princípio parecia inexistente. A perdição masculina é reafirmada com a entrada em cena de Vênus (Céline Sallette), não por acaso batizada como a deusa romana do amor e da beleza. Enigma em forma de mulher, a ruiva insere inesperada dose de fantasia na trama, apresentando-se como uma mãe natureza quase estéril pronta para sanar as fraquezas dos viajantes. Semelhantes na incapacidade de tomar a iniciativa quando na presença feminina, eles são conduzidos ao interior de si mesmos por Vênus, que vê nos três, dormindo juntos, o homem perfeito. Desarmados, um tem a experiência, outro a confiança e outro a sensibilidade.

Poelvoorde e Depardieu, parceiros dos diretores há alguns projetos, estão ótimos como pai e filho e têm muita química também com Lacoste, num bacana encontro de três talentosas gerações do cinema francófono. Chiara Mastroianni, Izïa Higelin (Samba), Ana Girardot (Les Revenants) e Andréa Ferréol (A Comilança) surgem em pequenas participações. Mulheres não são o forte dos protagonistas, nem do roteiro assinado pelos diretores.

Saint Amour - Na Rota do Vinho pode parecer uma resposta francesa ao premiado Sideways - Entre Umas e Outras, mas curiosamente tem muito pouco da bebida feita da uva. Às vezes seca, às vezes suave, a divertida narrativa masculina desce agradável como o fruto de uma boa safra, ainda que o surpreendente desvio para a alegoria no trecho final gere uma passageira tontura.