Críticas AdoroCinema
2,0
Fraco
Papa Francisco: Conquistando Corações

Introdução à santidade

por Bruno Carmelo

Uma pergunta que devemos fazer diante de produções religiosas como Papa Francisco, Conquistando Corações diz respeito ao ponto de vista: quem está falando, e para quem? O filme de Beda Docampo Feijóo assume a postura de um professor caridoso, explicando a história do Papa e o funcionamento do Vaticano a um público que supõe ser completamente leigo no tema. Não por acaso, a cena inicial se passa dentro de um ônibus de turismo, no qual a guia explica aos viajantes o nome original de Bergoglio, aponta as Igrejas onde gostava de rezar e a origem de sua vocação. O filme inteiro soa como a continuação dessa visita guiada.

Para auxiliar a narrativa, o público acompanha não a rotina do pontífice, e sim de Ana (Silvia Abascal), uma jornalista agnóstica e ignorante no funcionamento da religião. Encarregada de cobrir a eleição do novo Papa, ela recebe explicações didáticas de especialistas que apresentam ao público, por extensão, o funcionamento da hierarquia religiosa. Quais foram os principais candidatos? Existem quantos turnos na votação? Por que se escolhe um candidato “fantasma”? Como operam as correntes conservadoras e progressistas do clero? Mesmo que o espectador não tenha feito essas perguntas, ele vai receber as respostas, estruturadas numa espécie de palestra.

O melhor aspecto do filme, sem dúvida alguma, é Darío Grandinetti. A escolha de um ator que não se parece fisicamente com o biografado serve de trunfo: o intérprete não se vê na obrigação de repetir tiques, dedicando-se apenas ao trabalho de corpo e de voz. O excelente ator transmite verossimilhança tanto nas pregações religiosas quanto nas dezenas de piadas, usadas sistematicamente para concluir as cenas de diálogo com Ana. O famoso bom humor de Francisco e sua proximidade com o povo são retratados de maneira orgânica pelo ator, como um traço inerente de personalidade ao invés de uma ferramenta de marketing elaborada por seu entorno.

Infelizmente, o roteiro é fraquíssimo, servindo-se de recursos narrativos e análises políticas questionáveis. No que diz respeito à narrativa, Feijóo baseia-se na estratégia infantil do “show and tell”: o padre Jorge descreve a relação com a mãe, então um flashback mostra a cena com a mãe. Ele fala de uma mulher que amou no passado, e outro flashback retrata essa cena. Papa Francisco, Conquistando Corações é um filme ilustrativo, limitando-se a recriar momentos famosos – o conclave, as frases de efeito – ao invés de investigar, questionar, esclarecer. Como veículo de informação, não traz nada além do que se descobriria em dois parágrafos de Wikipédia.

Dedicado a sublinhar as qualidades morais irretocáveis deste homem – lembrando, no meio do caminho, que já foi um tipo sedutor – o filme passa por cima das complexidades psicológicas. Bergoglio é questionado até hoje pela ação ambígua durante a ditadura: para alguns, ele teria colaborado com o governo autoritário, para outros, teria sido responsável pela libertação de jesuítas sequestrados. A biografia mostra-se unívoca: o papa apenas ajudou outros religiosos, é claro, e qualquer versão dissonante constitui uma afronta. Fala-se em ameaças sofridas pelo religioso, mas nunca sentimos perigo real em se entorno. A influência política junto a outros cardeais e bispos, algo essencial para que tenha se tornado papa, é ignorada. Jorge venceu a disputa porque era o melhor, e porque isso seria inevitável: tornar-se papa estaria em seu destino. As maquinações do dito “ninho de cobras do Vaticano” apresentam poucos efeitos práticos na história.

O resultado é um projeto inofensivo, veículo para a possível conversão de novos espectadores-discípulos. Feijoó supõe que seu público seja como a jornalista que, apesar da descrença inicial, apaixona-se pela presença magnética do papa e acaba batizando a filha pequena dentro das regras do catolicismo. Para os convertidos à fé cristã e devotos do personagem, o filme traz uma adoração acrítica. Para aqueles interessados na figura do pontífice como símbolo histórico e político, o resultado não oferece aprofundamento, nem se abre a discussões. Fecha-se em si mesmo, retórico em seu discurso e inócuo na construção cinematográfica.