Críticas AdoroCinema
2,0
Fraco
O Jovem Karl Marx

O comunismo vai a Hollywood

por Bruno Carmelo

Levando em consideração que, na arte, a forma só pode ser julgada por sua adequação ao conteúdo, esta biografia faz o uso mais inesperado da linguagem cinematográfica para retratar a vida do filósofo Karl Marx. Por alguma razão, o diretor Raoul Peck achou conveniente representar a trajetória do maior pensador do comunismo através dos clichês de um épico histórico, digno de Hollywood.

O Jovem Karl Marx se abre com imagens grandiosas, trilha sonora de orquestra e uma legenda apresentando Marx (August Diehl) e Engels (Stefan Konarske) como “dois homens que vão transformar o futuro do mundo”. Seguem lugares comuns da cinematografia industrial de aventura: cavaleiros perseguindo vítimas em câmera lenta, narração explicativa, amores impossíveis à primeira vista, sexo interrompido assim que a personagem vai tirar a primeira peça de roupa, vilões e mocinhos identificados como tais desde a primeira cena em que aparecem. O recuso beira a paródia, embora o projeto se leve muito a sério.

No que diz respeito à representação da vida pessoal, o filme se revela de uma ingenuidade atroz. O filósofo precisa ser identificado por traços externos e exagerados de personalidade, que “imprimam” na imagem, por isso o retrato alterna entre o jovem arrogante, o mártir da causa operária e o marido amoroso, ainda que frágil de saúde. Para conhecermos cada filósofo em cena (Bakunin, Proudhon, Ruge, Weitling), os diálogos recorrem ao recurso “eu sei, você também sabe”: os personagens contam um ao outro informações de que ambos dispõem, apenas para informar o espectador. “Você, que criou o mais importante texto sobre a causa operária”, “Você que é o homem mais respeitado por sua liderança” etc.

A situação melhora um pouco quando o roteiro abandona as esposas e filhos para se concentrar na filosofia. O Jovem Karl Marx visa se comunicar com o público leigo no tema, por isso evita qualquer discussão aprofundada sobre o tema. Mesmo assim, as bases do pensamento marxista e sua diferença em relação a outros teóricos de esquerda da época são detalhadas com clareza. O filme consegue propor um debate válido entre a importância da teoria política e da prática, ou ainda entre a escrita acadêmica e a necessidade de produzir um pensamento complexo capaz de dialogar com as massas – chegando, portanto, ao desenvolvimento do Manifesto Comunista, escrito em conjunto com Engels.

Por fim, o projeto constitui um esforço irônico de divulgação do pensamento marxista para não marxistas, ou seja, um cinema burguês para transmitir a solidariedade com a causa operária. Marx é interpretado pela trama como fruto do seu tempo, produto das circunstâncias, mais do que um inovador: o filme raramente se dedica ao trabalho de estudo ou escrita do pensador. Os livros do autor parecer nascer por geração espontânea, numa elipse de montagem. Raoul Peck está menos interessado em compreender seu personagem do que transformá-lo em herói, em figura digna do grande cinema clássico. É neste processo que ele perde a essência e a importância de Marx.

Filme visto na 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2017.