O mundo é cruel assim mesmo
por Bruno CarmeloA Tailândia representada neste drama é um país de opostos: existem os miseráveis ao lado de grandes milionários, o exército poderoso e corrupto contra o povo humilde e bondoso, as crianças puras contra os adultos amargurados. Estamos numa fábula, na qual o herói é uma criança no melhor estilo Disney (órfã de pai e mãe, carinhosa, cheia de coragem), enquanto os vilões são todos os adultos ao redor. Não é muito fácil envelhecer na sociedade de Como Vencer no Jogo (Sempre).
Em meio a tantas as violências sofridas pelos personagens, que vão do abandono à escravidão forçada, é curioso que o diretor Josh Kim poupe a população LGBT. Esta Tailândia embrutecida aceita gays, lésbicas e transexuais sem preconceitos, de modo que o amor entre os adolescentes Ek (Thira Chutikul) e Jai (Arthur Navarat) é apresentado como o elemento mais comum do mundo. Isso é louvável do ponto de vista político, mas soa inverossímil dentro da narrativa.
Já Oat (Ingkarat Damrongsakkul), o garotinho órfão, descobre o funcionamento social como quem leva um tapa na cara. O protagonista aproxima-se do narrador onisciente, testemunhando todas as atrocidades que ninguém mais vê: ele descobre que o rico Jai suborna militares para não ingressar no exército, testemunha o irmão se prostituindo para pagar as contas, presencia o abuso da máfia local contra os pequenos comerciantes. O roteiro faz questão de mostrar a barbaridade a Oat e ao público, como um pai que prepara o filho para a crueldade do mundo lá fora.
Este discurso didático enfrenta dois grandes problemas, de ordem estética e ideológica. No que diz respeito à estética, o filme faz o possível para tornar todas as atrocidades mais leves e inconsequentes. Kim usa muitos planos lânguidos da paisagem, sobrecarrega a trilha sonora com um pianinho doce, inclui flashbacks engraçados para apresentar cada personagem coadjuvante. O elenco se sai bem nesta empreitada, que não deixa de incomodar: Como Vencer no Jogo (Sempre) pretende ser um feel good movie, aliviando o peso das ações em prol de uma narrativa alegre.
O problema ideológico surge da combinação entre imagens ingênuas e discurso social alarmista. Apresentando um mundo maniqueísta com um sorriso no rosto, o diretor incorre no conformismo, condescendente com as desigualdades sociais. “O mundo é assim mesmo”, parece dizer, “as injustiças sempre existiram e continuarão existindo”. Não se investiga as causas, nem se apresenta possíveis soluções. Este drama, representante da Tailândia na corrida pelo Oscar, adota um discurso apolítico para uma crise evidentemente política.
Filme visto no 23º Festival Mix Brasil de Cultura da Diversidade, em novembro de 2015.