Críticas AdoroCinema
2,5
Regular
Fome de Poder

A história dos vencedores

por Bruno Carmelo

A trajetória do McDonald’s como empresa e símbolo cultural poderia ser contada por diversas perspectivas: pelo olhar dos funcionários, dos consumidores, pelas transformações no ramo alimentício, pela inovação de marketing etc. Este filme opta pelo caminho histórico, acompanhando os passos de uma pessoa muito particular: o grande vencedor deste processo, o homem que ganhou mais dinheiro, que mais expandiu a empresa, o mais arrojado em termos empresariais, que terminaria com as maiores conquistas jurídicas e a mulher mais interessante ao seu lado.

Estamos falando não dos irmãos McDonald’s, reais criadores da marca, e sim de Raymond Kroc (Michael Keaton), empreendedor que seu uniu à dupla e acabou tomando, por vias inescrupulosas, o controle da empresa. Ele é visto pelo filme como uma pessoa determinada, visionária, tão focada no sucesso que não hesita em abrir mão de sua ética profissional e familiar quando necessário. Ray é um messias do capitalismo, uma prova amarga dos valores ultra liberais da “meritocracia” e do “self made man”. Este empresário possui uma situação financeira estável, porém não se contenta em pertencer à classe média: ele quer ser maior, mais poderoso, melhor que os outros. Afirma que, se visse um concorrente se afogando, colocaria uma mangueira na sua boca.

É curioso que John Lee Hancock aborde os fatos pelo viés da fábula. As cores quentes e saturadas lembram um ambiente agradável, a trilha sonora faz com que cada conquista do protagonista soe como uma deliciosa aventura. O roteiro limita-se a criar dificuldades para oferecer soluções: quando o protagonista não tem mais oportunidades profissionais, encontra o McDonald’s. Quando não tem lucros suficientes, encontra uma alternativa imobiliária para aumentar os lucros. Quando a refrigeração das lojas lhe custa caro demais, descobre a possibilidade de eliminar os congeladores. Quando sua esposa lhe parece pouco interessante (triste e dispensável papel dado a Laura Dern), encontra outra.

As atitudes do protagonista são vistas como pequenos compromissos com a legalidade, uma divertida malandragem na qual o fim justifica os meios. A direção não consegue deixar de admirar o empreendedor voraz por sua persistência, seu senso dos negócios. Esse é o preço a pagar para ser um capitalista de sucesso do mundo do dinheiro fast food. Michael Keaton contribui à autocondescendência do projeto, tornando Ray um sujeito carismático, dotado de uma retórica afiada e um sorriso permanente nos lábios. Ele basicamente repete cacoetes que tinham funcionado melhor em Birdman e Spotlight, por serem atribuídos a personagens mais complexos. Em Fome de Poder, sua contribuição é a do puro cinismo, tornando as conquistas do herdeiro ilegítimo da empresa uma prova de seu sucesso como indivíduo.

Talvez esse seja o maior problema do filme: ele fornece um discurso cínico, mas nunca crítico. Fome de Poder não consegue se colocar no lugar dos irmãos McDonald’s, dos funcionários, das esposas, das pessoas no ramo alimentício ou imobiliário. Pouco importa se a comida é boa, se o modelo de negócios empregado foi humano ou correto. O roteiro até consegue fazer uma demonstração potente da marca McDonald’s como símbolo de estabelecimento familiar, de uma nova Igreja: os restaurantes são filmados como locais de culto e objetos de encantamento. Mas esta análise é abandonada em prol da demonstração da ganância como espetáculo. Sim, Ray é um canalha, mas um canalha agradável e bem-sucedido. Para o filme, isso basta.