A cultura alheia
por Bruno CarmeloÉ admirável que um pequeno drama da Guatemala tenha sido selecionado para a competição oficial do prestigioso festival de Berlim. A Berlinale, conhecida por favorecer a descoberta de novos talentos e conferir grande atenção às obras latino-americanas, se rendeu a este retrato sobre a cultura de um pequeno povoado Maia Kaqchikel, que vive da agricultura aos pés de um vulcão.
Ixcanul impressiona pela beleza de suas imagens, cuidadosamente enquadradas e fotografadas. O diretor Jayro Bustamante acerta ao fazer um retrato comedido da natureza, mantendo o naturalismo acima do estetismo. Ele acompanha de perto a rotina de Maria (María Mercedes Croy), uma adolescente que sonha em fugir a um casamento arranjado e partir para os Estados Unidos.
Com a calma de um antropólogo, o roteiro acompanha cada tradição, ritual e superstição de María e seus pais. A ideia que uma gravidez possa ser interrompida com orações, ou que mulheres grávidas tenham o poder de espantar cobras chegou a despertar risos na plateia, mas não foi vista com o menor exotismo pelo diretor. Ixcanul demonstra aquele respeito sério que se mantém pelas culturas que não se conhece muito bem, e que já se encontram em posição frágil o suficiente para serem desrespeitadas.
Por trás de tamanho respeito, no entanto, esconde-se uma obra fria. Bustamante acompanha a vida da família de maneira distante, externa, sem situar as ações do ponto de vista de María, ou lhe fornecer ações para expressar o que sente. A garota, com pouquíssimas falas ao longo da narrativa, torna-se um corpo útil à tese do cineasta, um exemplo raro de garota Maia Kaqchikel, sem grandes particularidades ou vontades.
Assiste-se a Ixcanul como se ouve à palestra de algum conhecedor sobre a cultura de povos distantes: com profundo respeito e interesse, mas sem empatia pelas histórias individuais que esses indivíduos possam ter.
Filme visto no 65º festival de Berlim, em fevereiro de 2015.