Críticas AdoroCinema
2,0
Fraco
Questão de Escolha

Não trairás

por Bruno Carmelo

Desde as primeiras imagens, Questão de Escolha funciona como uma fábula, ou parábola, de ensinamento moral. Como toda história do gênero, é preciso que os exemplos sejam muito claros, com noções definidas de certo e errado, de bom e de mau, coroadas por uma lição de vida na conclusão. Este é um cinema utilitarista, e por isso funciona tão bem no discurso religioso, do tipo que não pretende ser artístico, e sim pedagógico.

A trama é simples: Paul (Ted McGinley) é um empresário à beira da falência, prestes a renovar os seus votos de casamento. Surge a bela Júlia (Ana Ayora), uma morena vinda do Brasil, seduzindo-o a todo instante, até que o pobre homem se apaixone. Ao redor dele, tudo indica que a infidelidade é ruim: na igreja, o padre afirma que o mais importante é honrar o contrato do casamento, enquanto isso um casal de amigos se separa após uma traição. Não existe amor ou paixão entre Paul e a sua esposa, mas a única solução possível para este homem é permanecer no matrimônio. O divórcio é visto como algo tão pecaminoso quanto a própria traição - afinal, Paul sequer encosta na brasileira, mas o fato de ter “pensamentos impuros” já caracteriza o desvio de caráter.

Pode-se concordar ou não com essas ideias, mas o fato é que o diretor e ator David A.R. White se atém ao conteúdo da Bíblia: o homem precisa ser fiel a sua esposa; o lugar da mulher casada é no lar, cuidando dos filhos; não se pode ficar muito tempo longe da Igreja; não se pode deixar cair em tentação; a fé é melhor do que a razão (um psiquiatra, ao afirmar que “não existe certo e errado”, é filmado com uma luz vermelha demoníaca). O filme faz uma alegre mistura de doutrinas cristãs, passando por missas e cultos, começando numa igreja católica e terminando na igreja evangélica do missionário R. R. Soares. Louva-se Deus de maneira abstrata, sem citar especificidades que poderiam separar católicos de protestantes ou evangélicos.

A maior coerência deste discurso encontra-se em seu caráter ideológico. Não que isto seja uma exclusividade desta obra religiosa: o cinema industrial americano sempre apresentou filmes conservadores, mas Questão de Escolha se distingue por ser explicitamente bíblico e quase infantil na clareza de seu discurso. Ele lembra aqueles filmes infantis de antigamente, nos quais lobos eram maus, princesas eram boazinhas, e assim por diante. A estética segue a mesma simplicidade, com planos próximos no rosto dos atores, iluminação pragmática de cunho moral (luzes claras para personagens puros, escuras para pecadores) e aparência geral de telenovela, para dialogar com o gosto popular.

Enquanto prega a fidelidade, o filme defende a fusão entre o público e o privado, o profissional e o familiar. Um bom homem é necessariamente um bom pai e bom empresário, e o roteiro acha perfeitamente natural que um hacker cristão batize seu vírus com uma passagem da Bíblia, ou que Paul viaje ao Brasil para pedir desculpa a um grupo de empresários por ter traído (em pensamento) a sua esposa. Este é o mesmo tipo de raciocínio conversador que dominou os debates nos Estados Unidos, por exemplo, quando Bill Clinton foi considerado um mau presidente e quase perdeu o cargo por manter um relacionamento extraconjugal.

Pelo menos Questão de Escolha distancia-se do discurso de ódio pregado por tantos líderes religiosos atualmente. A história faz questão de apresentar tanto homens quanto mulheres infiéis (embora sugira que a infidelidade é predominantemente feminina), e no fim desculpa Paul e a sedutora Júlia pelos atos de provação. O mal existe, mas de maneira global, de modo que a culpa está menos nas pessoas do que nos atos - algo positivo diante do pensamento religioso extremista, que considera certas pessoas essencialmente pecaminosas. O discurso é profundamente tradicionalista, como poderia se esperar de um filme do tipo, mas também otimista e benevolente. É fraquíssimo como forma de cinema, previsível como pregação cristã, mas bem-sucedido em suas ambições didáticas.