Críticas AdoroCinema
4,0
Muito bom
Com os Punhos Cerrados

Resgate do anarquismo

por Bruno Carmelo

A anarquia não é bagunça, não é caos. Esta afirmação surge nos diálogos de Com os Punhos Cerrados, drama experimental de baixíssimo orçamento desenvolvido pelo grupo Alumbramento. Contra os preconceitos, o filme aborda esta filosofia política em seu potencial libertário e sua viabilidade nos dias atuais. Como seriam os anarquistas de hoje? De que maneira agiriam? Como transformariam a sociedade, que tipo de pressões sofreriam? Estes são os questionamentos abordados pelos cineastas Ricardo Pretti, Luiz Pretti e Pedro Diógenes, também protagonistas.

Eles interpretam o que poderiam ser alter egos de si mesmos: jovens contrários à estrutura social, buscando formas poéticas e políticas de intervir na sociedade. O próprio filme é análogo aos poemas eróticos dedicados aos homens cornos da vizinhança, ou à receita de explosivos divulgada numa rádio pirata aos moradores do bairro – e por extensão, ao espectador também. A arte e a política aproximam-se enquanto ferramentas para retirar o espectador do lugar comum. Por isso mesmo representam perigo às classes dominantes (um homem visto sempre de costas, com o rosto escondido, faz o papel do opressor) tendo que ser protegidas pelo anonimato. “Somos mais fortes na clandestinidade”, lembram os anarquistas.

Deste modo, partindo de um fio narrativo bastante simples – o trio dissemina suas mensagens na rádio, até ser descoberto por uma espiã e precisar fugir – chega-se a escolhas narrativas e estéticas muito expressivas. A intenção é quebrar expectativas, provocar incômodos sensoriais e cognitivos: os ruídos dos ambientes estão sempre mais altos que os diálogos, prejudicando propositadamente a compreensão das falas, uma tela preta irrompe a narrativa, com sons dissonantes, as fachadas de prédios se sobrepõem umas às outras para criar a sensação de vertigem. Os sons de uma praia são interrompidos quando se desliga o botão de um gravador.

Com os Punhos Cerrados faz um constante apelo aos sentidos, constituindo uma experiência audiovisual complexa tanto pelo discurso político quanto pela forma fragmentada. Este não deixa de ser um projeto sonhador, que acredita no amor, na liberdade dos corpos e das pessoas, na beleza das formas e na comunicação sem freios. O caráter radical do filme não vai de encontro com o clichê de violência, sexo e drogas – elementos praticamente ausentes nas imagens. Os diretores acreditam que a maior forma de torpor ainda vem da poesia.

Por isso, o resultado combina a arte combativa e a arte reflexiva, o político e o estético, o olhar ao futuro (a utopia) e o olhar ao passado (a nostalgia). O uso das canções mais diversas vai de encontro com algumas escolhas clássicas de enquadramento, como o rosto da expressiva atriz Samya De Lavor, filmado nas ruas da cidade, parada, durante a duração de uma música inteira. Os criadores resgatam a crença no potencial transformador da imagem, na possibilidade de encantamento e de catarse através do cinema, e de ruptura efetiva com a sociedade alienada contemporânea.