Críticas AdoroCinema
3,0
Legal
Colossal

Pequena monstruosidade

por Bruno Carmelo

Um monstro gigantesco destruindo uma cidade. Pessoas correndo, prédios sendo esmagados, helicópteros atirando na fera. Colossal contém um pouco de todos esses elementos, no entanto a comédia indie constitui um raro projeto no qual o monstro é coadjuvante na história. O espetáculo de efeitos especiais fica em segundo plano, ocupando pouco tempo da narrativa. O olhar do diretor se concentra em algo muito mais banal: a vida de Gloria (Anne Hathaway), típica “loser” americana, sem emprego, distante da família, abandonada pelo namorado e cada vez mais dependente do álcool.

É curiosa a maneira como o diretor Nacho Vigalondo articula o grandioso e o minúsculo, no caso, a catástrofe pública e o drama privado. Talvez o aspecto mais cômico seja a própria ideia de manter a câmera dentro de uma casa vazia, junto à mulher que dorme o tempo inteiro, ao invés de ir para as ruas onde existe um monstro em atividade. Na época em que a fantasia e a ficção científica se tornam os gêneros de maior apelo popular no cinema, privilegiar uma história banal soa como provocação à indústria.

Enquanto os sul-coreanos lutam contra o invasor nas ruas de Seul – nem tanto, aliás, pois voltam para os espaços abertos dia após dia, mesmo com ataques frequentes – Gloria, em seu vilarejo norte-americano, ganha um retrato com direito a todos os clichês da comédia romântica. Apesar de se mostrar incapaz de oferecer afeto a quem quer que seja, a personagem desorientada torna-se pivô da disputa entre três galãs (Dan Stevens, Jason Sudeikis e Austin Stowell) enquanto o roteiro aborda de maneira superficial o abuso de substâncias (o álcool para Gloria, a cocaína para Garth).

Ou seja, por trás da inusitada combinação de gêneros existe um projeto um tanto convencional. O roteiro ameaça discutir questões moralmente complexas como a monstruosidade inerente a qualquer ser humano, o descaso das multidões diante de tragédias distantes e a sede da mídia pelas catástrofes, mas logo desvia a atenção para os gestos divertidos de Anne Hathaway. Estamos no imperativo da leveza: quando algo potencialmente provocador entra em cena, a montagem corta para o dia seguinte, com a protagonista descabelada dormindo num colchão inflável furado.

Colossal garante a cota de diversão com tiradas sarcásticas e reviravoltas inesperadas, surpreendendo na conclusão ao convergir a trama do monstro com o passado de Gloria. Vigalondo consegue fornecer respostas verossímeis à premissa de uma pessoa controlando telepaticamente um réptil gigante do outro lado do globo. Ao mesmo tempo, não explica mais do que o necessário, deixando que as regras da fantasia se encarreguem de justificar algumas concessões à lógica. No entanto, as qualidades estruturais não impedem que os personagens soem subaproveitados, unidimensionais, em especial as figuras masculinas na galeria de coadjuvantes.

O projeto se conclui como uma traquinagem de roteirista, uma paródia amistosa dos blockbusters. O roteiro poderia discutir a natureza humana e se deliciar com a imersão do espectador, mas prefere se dedicar a um improvável retrato sobre relacionamentos abusivos e emancipação feminina. É uma surpresa, às vezes bem-vinda, mas levemente decepcionante por abandonar outros temas interessantes que a narrativa oferecia com maior facilidade.