Críticas AdoroCinema
2,5
Regular
Love

Memórias

por Francisco Russo

Nenhum outro filme do Festival de Cannes teve filas tão grandes quanto Love, novo trabalho de Gaspar Noé, exibido fora de competição. Em parte pela fama transgressora do diretor, graças especialmente a Irreversível, mas também porque Noé prometera mostrar (muito) sexo explícito em seu novo trabalho. Promessa cumprida!

A história acompanha as memórias afetivas de Murphy em relação à uma ex-namorada, Electra, que não vê há alguns anos. As lembranças ganham contornos ainda maiores pela frustração que sente em relação à vida atual, ao lado da mãe de seu filho e da própria criança. É nesta viagem no tempo que boa parte do filme se desenrola, seguindo a proposta de "fazer um filme que realmente transmita os sentimentos do sexo" (palavras do próprio diretor, através de seu personagem principal).

Diante disto, Love não tem qualquer pudor em cena - e, é importante ressaltar, o uso do sexo tem a ver com a ideia do longa-metragem em dissecar a intimidade do casal. Há uma proposta estética de direção e edição muito bem definida, que potencializa as rápidas passagens do tempo que ocorrem no início. Entretanto, por mais que seu início seja bastante interessante, os problemas começam a surgir por volta dos 40 minutos de duração. É quando a relação entre Murphy e Electra se estabiliza e Noé começa a enviar mensagens ao espectador, não apenas justificando o porquê do filme ser daquele jeito como também através de piadas autorreferentes, envolvendo personagens coadjuvantes. A redundância, do que é dito e também do que é exibido, cansa.

Outro problema do filme é seu elenco. Como os personagens precisavam realmente ter relações sexuais diante da câmera, havia uma exposição íntima que naturalmente afastou um punhado de possíveis candidatos. Não é à toa que as duas atrizes principais, Aomi Muyock (Electra) e Klara Kristin (Omi), são estreantes e o ator principal, Karl Glusman, tenha papéis irrelevantes no currículo. O problema todo é que, por mais que cumpra seu papel na cama, quando é exigido ao menos um pouco de dramaticidade o trio deixa bastante a desejar. Especialmente Glusman, cujo personagem traz uma carga emocional referente às várias passagens de tempo existentes que é, conceitualmente, a condutora do longa-metragem.

Em relação às cenas de sexo, é importante dividi-las em fases. O longa já começa com Murphy e Electra na cama, nu frontal de ambos, com um masturbando o outro até o gozo. Ou seja, logo de cara o espectador já sabe o que vem por aí (e várias foram as pessoas que abandonaram a sessão com menos de 10 minutos de projeção). A tão badalada sequência de ménage a trois tem uma função narrativa, já que seus efeitos são essenciais para o desenrolar da história. No decorrer do longa-metragem, é possível perceber o momento do casal a partir da intensidade do ato sexual, indo de encontro à proposta do diretor de conceituar o relacionamento também através do sexo. Por outro lado, há várias cenas gratuitas, fruto da obsessão do diretor pelo tema e da ânsia em explorar o 3D. Mas o problema maior surge quando o longa caminha rumo ao hardcore, já que tal tendência soa mais como nova tentativa de polemizar do que propriamente pela necessidade do roteiro.

Love é menos do que prometia, mas ainda assim polêmico pela exposição de seus atores a todo tipo de cena de sexo. De início bastante interessante, pela proposta estética com a qual a história é conduzida, o longa perde interesse à medida que passa por simplesmente se repetir e buscar o choque pelo choque. Lembra bastante Nove Canções, filme mediano dirigido por Michael Winterbottom que acompanha todo o relacionamento sexual de um jovem casal, só que inferior.

Filme visto no 68º Festival de Cannes, em maio de 2015.