Críticas AdoroCinema
2,5
Regular
Favela Gay

Um primeiro passo

por Bruno Carmelo

Favela Gay é um filme difícil de criticar. Por um lado, o documentário se consagra a um tema extremamente nobre: a vida de homossexuais e transexuais nas comunidades do Rio de Janeiro. É fundamental que a rotina e as dificuldades destes indivíduos sejam retratadas nas telas, já que estão ausentes da esmagadora maioria das ficções e também dos discursos políticos. Por outro lado, o formato escolhido para o projeto não está à altura da complexidade social de seu tema.

O diretor Rodrigo Felha e o experiente produtor Cacá Diegues (diretor de Deus é Brasileiro e Bye Bye Brasil) optam pela famosa estrutura dos “talking heads”, ou seja, entrevistados falando durante a maior parte do tempo, com o enquadramento fechado em seus rostos, tratando o ambiente ao redor como pano de fundo. Numa tentativa pouco eficaz de representatividade, cada favela é ilustrada por um único homossexual, que conta a sua vida e pretende simbolizar as dificuldades encontradas por todos os demais habitantes daquela comunidade, nas mesmas condições.

Compreende-se que não deve ter sido fácil encontrar pessoas dispostas a se expor de tal maneira em frente às câmeras, algo que pode ter reduzido a quantidade de entrevistas e a pluralidade dos discursos. Mas Felha, dispondo de apenas uma dúzia de depoimentos em toda a obra, não consegue captar a especificidade dos lugares filmados ou a particularidade de cada classe social ou pessoa relacionada ao tema. Em uma cena, o cineasta conversa com a mãe de uma garota transexual, mas nenhum outro amigo ou familiar dos entrevistados aparece nas imagens. O deputado federal recentemente reeleito Jean Wyllys também fornece uma fala complexa e engajada, mas ela destoa das demais, porque nenhum outro órgão político está representado.

Os depoimentos trazem a questão da violência, da prostituição, do consumo de drogas, da homofobia. Existe um distanciamento em relação a estes fatos passados, já que os homens, mulheres e transexuais presentes preferem apresentar trajetórias otimistas de superação, aparecendo devidamente maquiados, posando para a câmera, em seus melhores ângulos. Não existe muita naturalidade nestas abordagens: Favela Gay prefere deixar as dificuldades para trás. Muitos depoimentos terminam com declarações de que a situação melhorou, sem que o espectador possa descobrir de que maneira, ou com quais medidas, esta melhoria foi obtida.

O documentário termina por adquirir um inesperado caráter apolítico, atribuindo ao indivíduo gay ou trans a responsabilidade de melhorar a própria condição de vida. Felha não busca causas, consequências, propostas. A relação com a religião, com o tráfico, com a prostituição é exposta de maneira tímida, e o trabalho das ONGs não é visto em profundidade. Seria importante, igualmente, tentar descobrir porque existe uma proporção tão grande de transexuais dispostas a participar do filme, em comparação com os homossexuais. Seria porque a transexualidade é mais imediatamente visível no corpo, forçando estas pessoas a assumir de maneira mais clara a sua identidade de gênero? Favela Gay não traz muitas respostas. Sua abordagem é leve, colorida, utópica, acreditando que a situação vai melhorar por si só, de maneira mais ou menos natural e fluida. Pode ser um belo primeiro passo rumo à discussão e à visibilidade da comunidade LGBT de classes desfavorecidas, mas certamente uma temática de tamanha importância mereceria um discurso cinematográfico e político mais profundo.

Filme visto no Festival do Rio, em setembro de 2014.