A polícia desnudada
por Francisco RussoChacina de Vigário Geral, da Candelária, na Baixada Fluminense... Não é de hoje que o Rio de Janeiro detém o triste recorde mundial de assassinatos cometidos pela polícia. A escalada da criminalidade na cidade maravilhosa e arredores acelerou de vez por volta dos anos 1980, mesmo período em que a polícia estreitou ainda mais os laços com a bandidagem. É esta relação perigosa o tema do incisivo documentário dirigido por Thereza Jessouroun, premiado no Festival do Rio 2014.
A proposta de À Queima Roupa é investigar a atuação da polícia carioca nas últimas duas décadas, partindo da chacina de Vigário Geral, ocorrida em 1993. A partir de relatos dos envolvidos, seja do lado da polícia ou as próprias vítimas, é montado um duro painel sobre cada um dos crimes representados, não apenas pelo que é dito mas também pelo que é exibido. Bastante material de arquivo é apresentado, com depoimentos pontuais de governantes da época e cenas fortes sobre o resultado dos crimes. De forma a realçar a gravidade do ocorrido, a diretora não poupa o público ao exibir, com uma boa recorrência, corpos ensanguentados e cérebros à mostra. É um meio de lembrá-lo, a todo instante, de que o que está em cena é real.
Entretanto, por mais que os depoimentos das vítimas sejam em muitos casos tocantes, a grande pérola obtida pela diretora atende pelo nome de Ivan. Um ex-policial, que participou de vários crimes e depois aceitou delatar os (ex-)companheiros em nome de uma pena reduzida, que expõe a teia de corrupção existente entre a polícia e o crime organizado. O tom de deboche e a verdade escancarada, sem meias palavras, chocam. Nem tanto pelo que é dito, facilmente imaginado por quem acompanha as notícias do dia a dia, mas pelo modo como é revelado: algo corriqueiro, usual para quem vivia aquele cotidiano, aliado à sensação de impunidade reinante.
Por mais que siga um formato tradicional de documentário, calcado em entrevistas e imagens antigas, À Queima Roupa brilha pela força do tema e o impacto com o qual é apresentado. Trata-se de um retrato contundente sobre o método de atuação da polícia carioca e suas consequências, seja para os envolvidos nos crimes ou para os que lidam com ela. Após assisti-lo, fica bem claro o porquê de existir tamanho abismo entre a polícia e a população que deveria ser protegida por ela. Muito bom filme, não apenas como denúncia mas também para provocar reflexão e debate.
Filme visto no Festival do Rio, em setembro de 2014.