Críticas AdoroCinema
3,0
Legal
Soundtrack

Fotografar a solidão

por Bruno Carmelo

Um filme brasileiro cuja história se passa no Polo Norte. As filmagens ocorreram em estúdio, mas para a lógica da trama, estamos em um cenário muito distante da realidade nacional. A intenção é esquecer origens, geografias e confrontar homens a um não-espaço, um horizonte infinito marcado por frio e solidão. Neste local, o fotógrafo brasileiro Cris (Selton Mello) encontra britânicos, chineses e dinamarqueses de diferentes áreas, forçados à convivência durante a extensão de suas atividades.

A dupla brasileira 300ml se sai bem na tarefa da ambientação. Como o lugar constitui um personagem em si, é fundamental que o público possa acreditar nas distâncias, no isolamento, no frio, nas cores brancas, na amplidão do gelo em relação aos quartos mínimos e metálicos onde dormem os personagens. Soundtrack se desenvolve através de uma melancolia constante, ao mesmo tempo em que em revela carinho por Cris e respeito pela empreitada de tirar selfies sobre o gelo, enquanto ouve músicas tristes.

O roteiro poderia investigar o caráter de egotrip da empreitada de Cris, as configurações da arte contemporânea e a figura do autor transformado em obra, porém os cineastas fogem dessas reflexões. O personagem é unilateralmente apoiado por um filme que, afinal, manifesta ambições semelhantes. O desejo de estrangeirismo e/ou descentralização (o título, o codinome dos diretores, a locação, os atores, a língua) condiz com este projeto brasileiro que não pretende falar sobre o Brasil, nem sobre os brasileiros. Nada contra: é possível se arriscar em realidades diferentes, imaginar mundos afastados e apostar em sentimentos universais, que atingem quaisquer seres humanos.

Tecnicamente, o resultado é competente. Além da boa trilha sonora, praticamente um pré-requisito para um filme com este título, a narrativa se desenvolve em ritmo agradável. A melancolia não se transforma em tédio, e todo silêncio é devidamente preenchido por tensões. Existe boa fricção entre o som e a imagem: a trilha diegética se mistura com a extra-diegética quando Cris determina o som que acompanha a rotina dos colegas. Todos esses recursos são artifícios, e 300 ml domina o efeito que uma trilha pode causar, assim como sua suspensão abrupta dentro de uma cena.

No entanto, o roteiro apresenta problemas. Alguns diálogos e monólogos soam pedantes para um filme de pretensões naturalistas, mesmo em estrutura fabular. O tom oscila de maneira brusca, nem sempre satisfatória: duas cenas de jantar pretendem ser hilárias, mas talvez o público não ria tanto quanto seus personagens, enquanto irrupções de choro e raiva surgem de modo intenso demais, quase inexplicável em determinados momentos. Os diretores buscam um conteúdo muito específico para cada cena, mas a transição entre elas às vezes se perde – menos na montagem do que na escritura. Além disso, uma reviravolta importante é repetida, perdendo substancialmente a sua verossimilhança na segunda vez em que ocorre.

Soundtrack torna-se um projeto louvável na descrição de uniões forjadas na adversidade, na noção de uma família composta por laços não sanguíneos. O bromance entre o fotógrafo e o técnico Mark (Ralph Ineson) torna-se convincente. Entretanto, por trás da aparência cool e despojada – se é possível falar em “filme hipster”, este seria um bom exemplar – transmite-se a ideia antiquada do artista que somente produz obras relevantes quando sofre, quando se expõe à dor e à solidão, ou seja, o artista romântico menos inclinado ao profissionalismo do que às flutuações etéreas do talento e da inspiração.