Retrato de uma geração
por Francisco RussoO que fazer após realizar o maior projeto de sua carreira? Richard Linklater se viu diante desta difícil pergunta após lançar o audacioso Boyhood, onde acompanhou por 12 anos a vida de um garoto de forma que seu crescimento e os inevitáveis dilemas da idade fizessem parte também da narrativa do longa-metragem. A saída encontrada foi retornar ao passado, mais exatamente aos anos 1980, e lá produzir uma "sequência espiritual" de um de seus primeiros longa-metragens: Jovens, Loucos e Rebeldes. Mas, afinal de contas, o que seria esta tal "sequência espiritual"?
Apesar do título brasileiro, Jovens, Loucos e Mais Rebeldes não é propriamente uma continuação nem mantém os personagens do original. A proposta aqui é replicar o espírito jovial do primeiro filme a partir de uma verdadeira instituição norte-americana: o momento em que adolescentes se tornam adultos em seu primeiro respiro de plena liberdade, quando chegam à universidade. Se várias das situações aqui mostradas já foram vistas nos mais diversos filmes, especialmente em comédias escrachadas como a série Porky's, o grande diferencial trazido por Linklater está na análise comportamental de seus protagonistas. Mais exatamente, em como atitudes do passado passaram a ser vistas sob outra ótica com o passar das décadas.
Senão, vejamos. Todos os personagens de Jovens, Loucos e Mais Rebeldes são heterossexuais convictos, com direito a cenas inseridas com o único objetivo de ressaltar o interesse sexual dos mesmos. Só que eles usam roupas justas, bigode a la Freddy Mercury, se admiram no espelho, cuidam do visual, possuem uma amizade com direito a muito contato físico... Sob o olhar contemporâneo, muitos dos atos e hábitos retratados seriam facilmente apontados como típicos da cultura homossexual - e alguns deles se tornaram verdadeiros símbolos gays, que o diga o visual de Mercury. Só que o período retratado é 1980, exatamente quando a disco se tornava uma febre mundial e a cultura gay ganhava força nos Estados Unidos. Ou seja, não havia preconceitos nem regras pré-estabelecidas, apenas um modo de agir que era absolutamente natural a todos os jovens. Simples assim.
O grande acerto de Linklater ao construir a ambientação de Jovens, Loucos e Mais Rebeldes é justamente dialogar com o conhecimento do espectador em relação ao comportamento retratado em cena, de forma a estabelecer uma ponte entre o que era na época e o que é hoje. Neste sentido, o filme oferece uma forte análise simbólica sobre o comportamento masculino e o quanto esta percepção se transformou ao longo das décadas, escancarando um sem número de preconceitos que nasceram a partir da discriminação da cultura gay. É como se mostrasse, claramente, que tais atos não são "agressivos" nem "ofensivos", mas algo absolutamente natural em uma sociedade sem tantas neuroses. É, também, uma bandeira implícita em nome de uma sociedade mais plural e liberal.
Questões ideológicas a parte, Jovens, Loucos e Mais Rebeldes é um típico filme de brodagem. Por mais que a história gire em torno de Jake (Blake Jenner, correto), o brilho maior está justamente no coletivo de amigos que habita a fraternidade do time de baseball, seja pela união ou pela própria competitividade existente entre eles. Se o filme não chega a ser propriamente ousado nos acontecimentos apresentados, reprisando situações clássicas deste momento de vida como a farra em festas, o flerte com garotas e até mesmo o trote nos novatos, por outro tais situações apresentam um frescor impressionante graças ao timing cômico dos diálogos e do próprio elenco, extremamente coeso e competente.
Embalado por canções icônicas do período, como "My Sharona" (The Knack), "Heart of Glass" (Blondie) e "Another One Bites The Dust" (Queen), Jovens, Loucos e Mais Rebeldes é uma bem-vinda recriação dos saudosos anos 1980, extremamente divertida. De olho no movimento dos corpos, Linklater construiu um rol de personagens com os hormônios sempre à flor da pele que impressionam pela vibração e confiança no olhar, de forma a ressaltar a unidade do grupo de amigos como um todo. Neste sentido, o brilho maior fica por conta de Glen Powell, cujo carisma remete ao de Judd Nelson em Clube dos Cinco, e o impagável (e protótipo de metrossexual) McReynolds de Tyler Hoechlin. Ótimo filme, um dos melhores lançados em 2016 nos cinemas brasileiros.
Filme visto no Festival de Sydney, em junho de 2016.