Críticas AdoroCinema
3,0
Legal
O Lobo do Deserto

Para inglês ver

por Bruno Carmelo

O primeiro aspecto que chama a atenção neste filme jordaniano é sua produção grandiosa. Para contar a aventura do garoto Theeb através dos perigosos desertos do país, o diretor estreante Naji Abu Nowar apresenta imagens cuidadosamente compostas, com um trabalho de câmera excepcional e uma montagem refinada, digna dos grandes trabalhos de estúdio. Não é de se espantar que o Oscar esteja de olho nessa produção, e seria ainda menos surpreendente que o cineasta fosse convidado a dirigir projetos em Hollywood.

Por trás deste verniz lustroso, O Lobo do Deserto revela-se uma obra de alcance mais modesto. A trama, mistura de faroeste, road movie e história de amadurecimento, cola-se aos movimentos de Theeb (Jacir Eid Al-Hwietat), enquanto viaja com o irmão mais velho para escoltar um soldado inglês até seu destino em plena Primeira Guerra Mundial. A câmera não hesita a captar os grandes olhos do menino, sua movimentação curiosa, seus cabelos esvoaçantes. Ele não compreende porque os homens se matam no deserto, não sabe porque o trem atravessa as terras onde mora nem entende o que um soldado inglês faz naquele país. Seu olhar puro e seus gestos quase animalescos fazem de Theeb um pequeno “bom selvagem”, que tem a astúcia e o bom coração como trunfos principais no meio dos adultos violentos.

A escolha de limitar o ponto de vista a Theeb serve para deixar o aspecto político e social da história num segundo plano. Cita-se a Grande Guerra, o problema da presença estrangeira na Jordânia e a pauperização dos beduínos, mas nenhum desses elementos é aprofundado. O roteiro prefere apostar no aspecto universal da obra, no caso, a jornada de sobrevivência de uma criança num local inóspito, primeiro em companhia do irmão, e depois sozinho. É impossível não se identificar com o pequeno guerreiro, ao mesmo tempo imaturo e corajoso, lutando para resistir aos inimigos.

Essa estrutura narrativa torna O Lobo do Deserto tão acessível quanto superficial: por um lado, espectadores que jamais assistiriam a uma produção da Jordânia podem apreciar um pouco da cultura local, emocionando-se e compartilhando o humanismo da trama. Por outro lado, nunca se ultrapassa a imagem de “cultura alheia” composta pelo deserto, pela miséria e pelas práticas culturais do Oriente Médio. O filme funciona como um retrato cultural para exportação, tornando a realidade local mais palatável aos olhares alheios através da simplificação de seu mecanismo social e político.

Pelo menos, não se pode reclamar que Naji Abu Nowar carrega a mão no sentimentalismo, ou investe em soluções fáceis. O drama do garoto é contido, o ritmo é contemplativo e as atuações são bastante eficientes. Mesmo assim, rumo à conclusão, não se foge à tentação de transformar Theeb num herói, um sobrevivente, com direito a fotografia em contraluz e trilha sonora épica enquanto o menino observa o horizonte. A narrativa se assemelha a um prequel do protagonista-herói, construndo um mito que Nowar possa desenvolver no futuro. Em Hollywood, talvez.