Bizarro sem o cult
por Sarah LyraDe tempos em tempos, o Cinema lança algum filme que, em uma primeira assistida, parece bizarro ou peculiar demais para ser levado a sério, mas acaba caindo nas graças de um nicho e ganhando status cult com o passar dos anos. Donnie Darko, de Richard Kelly, e Scott Pilgrim Contra o Mundo, de Edgar Wright, são bons exemplos desse fenômeno. Como Falar com Garotas em Festas, de John Cameron Mitchell, parece ter sido concebido com um desejo claro de entrar para o seleto grupo. O problema é que a produção fica tão presa na própria ambição de ser transgressora, que acaba criando uma obra forçada e pouco envolvente, passando longe de criar sua própria base de fãs devotos.
A trama acompanha Enn (Alex Sharp), um adolescente britânico apaixonado pela música e ideais do movimento punk, e Zan (Elle Fanning), uma alienígena integrante de um grupo dividido em um sistema de colônias. Ela enxerga em Enn a oportunidade de se aproximar dos costumes humanos e viver de forma mais livre. Os dois se vêem aprisionados pelo contexto social em que estão inseridos e rapidamente desenvolvem uma forte identificação, tornando, assim, a premissa de unir dois seres de mundos completamentes diferentes, mas com ideais similares, bastante promissora, em um primeiro momento.
Em uma tentativa de criar empatia pelos dramas adolescentes, o longa nos conduz por 48 horas na vida do casal de protagonistas, com direito a festas punk, discussões sobre política, problemas familiares, reflexões sobre o papel de cada geração, revolta contra a conformidade, solidão, sectarismo e comentários sobre a vida suburbana. Se essa lista de temáticas parece extensa demais para ser abordada em um filme, é porque, de fato, é. Por mais energético que tente ser, o longa consegue dar apenas uma pincelada em todas essas problemáticas, e a sensação é a de que os questionamentos foram inseridos de maneira aleatória e com muita intenção de parecer cool, uma abordagem que em nada contribui para o desdobramento dos personagens e seus conflitos. Os momentos de montagem frenética, trilha edificante e movimentos borrados do primeiro ato até sugerem a pretensão de adotar uma estética mais elaborada, mas o ritmo nessas cenas — que muito lembra a de seu conterrâneo Trainspotting, inclusive — é rapidamente abandonado, dando espaço para um desenvolvimento que, na maior parte do tempo, se mostra arrastado e pouco coeso.
Um problema mais evidente ainda de Como Falar com Garotas em Festas é a recusa de explorar as nuances da comunidade da qual Zen faz parte. Para uma trama que se dispõe a falar de vida extraterrestre, o filme é surpreendentemente vago e conservador ao contextualizar a cultura desse povo. Não ficam claras as funções das diferentes colônias, de onde os alienígenas vieram ou por que o ritual canibalista é tão importante para a sobrevivência da espécie. Tudo que vemos é uma caracterização convencional e pouco original, composta de figurinos e penteados que parecem ter sido emprestados de Jornada nas Estrelas. Em outras palavras, nem mesmo a estética, que poderia ser uma grande aliada, colabora para a compreensão dos dilemas destes seres.
Dessa forma, só restou ao terceiro ato do longa dar um desfecho indiferente para uma história que já era problemática em sua concepção inicial. Isso fica muito claro na cena em que Zen faz um grande sacrifício pessoal para salvar a própria espécie. Um ato que, assim como muitos outros na trama, não tem o impacto ou o sentido pretendido pelo roteiro, deixando seus espectadores tão confusos quanto seus protagonistas.