O luto permanente
por Francisco RussoNão é exagero dizer que O Pintassilgo seja um filme de perfil clássico, especialmente diante da proposta de repercutir um fato marcante do passado por muitos anos na vida de seus personagens. Há neste novo trabalho do diretor John Crowley uma busca constante na ambientação como forma de também retratar o momento de vida e os interesses do jovem Theo Decker, traumatizado desde criança devido à morte da mãe em um atentado terrorista no Metropolitan Museum of Art, em Nova York. No fim das contas, é tal conforto que lhe dará algum norte na vida.
Sob o eterno peso do ocorrido, Theo teve sua vida transformada para sempre, não apenas pela perda da mãe mas também pelas portas abertas para um mundo até então desconhecido. É através de um anel de família entregue por um desconhecido que ele chega a Hobie (Jeffrey Wright, correto), um vendedor de antiguidades que assume o posto de tutor de Pippa (Aimee Laurence), outra sobrevivente. Além disto, Theo é temporariamente abrigado pela família da senhora Barbour (Nicole Kidman), de um requinte mais relacionado ao bom gosto que à arrogância. O conforto recebido nestes dois ambientes aos poucos desperta em Theo o interesse pelo antigo, refletido também nas escolhas de figurino, direção de arte e fotografia, feitas pelo diretor e sua equipe. A própria escalação de Kidman tem muito este perfil: o objetivo é explorar seu porte clássico e carisma, mais até que suas qualidades como atriz.
Isto porque Kidman, assim como boa parte dos coadjuvantes, tem no filme pouco espaço para desenvolver seus personagens. Em parte por culpa do próprio material original: O Pintassilgo, o livro, tem mais de 700 páginas, o que denota um enxugamento não só natural como necessário para adaptá-lo ao cinema. Com isso, personagens essenciais como a senhora Barbour, Hobie, Pippa e Xandra (Sarah Paulson, em um papel bem mais físico que o habitual em sua carreira) são apresentados mais pelo que significam junto ao jovem Theo do que propriamente por suas características próprias. Inclusive, a atração de tantos nomes conhecidos para papéis menores denota, também, o fascínio causado pelo livro, best-seller internacional que rendeu o prêmio Pulitzer à sua autora, Donna Tartt.
Para complicar ainda mais a questão do tempo em cena, O Pintassilgo transita em duas linhas temporais distintas, tanto acompanhando Theo quando criança (Oakes Fegley, bem) quanto adulto (Ansel Elgort, esforçado). A narrativa alterna entre estes momentos a todo instante, denotando causa e consequência em vários âmbitos acerca da vida de Theo. Em especial, o apreço que nutre pelo quadro O Pintassilgo, por ele levado do Metropolitan em meio à confusão instaurada em decorrência do atentado terrorista.
Diante de tanto a mostrar, O Pintassilgo como filme fracassa em um aspecto essencial do livro: o de ressaltar o aspecto emocional da sombra permanente do atentado na vida de Theo Becker, como se ele (e Pippa) fossem "sobreviventes da morte". Por mais que o ato em si jamais seja deixado de lado pelas consequências apresentadas, há pouco neste sentido no aspecto psicológico do jovem, no sentido que isto tanto moldou suas escolhas. Em parte, trata-se de uma opção do roteirista Peter Straughan no sentido de privilegiar fatos em detrimento de aspectos sensoriais, por mais que, ainda assim, haja no filme um excesso de personagens terciários, que surgem jovens apenas para justificar algo no futuro, com atores que aparecem em uma ou duas cenas apenas. Desnecessário.
Curiosamente, o melhor momento do filme é justamente aquele que mais se distancia do requinte que se propõe a ter quase sempre. Se a mudança para Las Vegas mais uma vez altera o visual do longa-metragem, agora migrando para o deserto em um convívio mais "popular", por assim dizer, ela também proporciona a entrada em cena de Boris, que enfim quebra a sisudez onipresente até então. Interpretado pelo ótimo Finn Wolfhard, com um sotaque estranhíssimo e perfil contestador, a amizade entre Boris e Theo traz vida ao longa-metragem, gerando saborosos momentos politicamente incorretos que tão bem definem a adolescência. Pena que não dura muito tempo.
Grandioso como história, O Pintassilgo é um filme que tem muito a contar e que poderia ser um tanto quanto enxugado, de forma a diminuir suas muitas subtramas e coadjuvantes que surgem e desaparecem em um piscar de olhos. Conduzido com elegância por John Crowley nesta busca pelo requintado, o filme entrega um apuro estético incontestável, refletido também nas alternâncias de ambientação vistas em cena. Entretanto, em poucos momentos consegue de fato atingir o emocional almejado, ainda mais em uma história onde se perde absolutamente tudo, em um mero piscar de olhos.
Filme visto no Festival de Toronto, em setembro de 2019.