Críticas AdoroCinema
3,0
Legal
Dumbo

Sem magia

por Francisco Russo

Todo grande diretor possui uma assinatura, através da qual seja possível rapidamente identificar seu trabalho. A de Tim Burton envereda pela busca de uma doçura triste, a partir de personagens muitas vezes cabisbaixos, seja devido a questões físicas ou simplesmente por não se adequar aos padrões da sociedade - assim foram Edward Mãos de Tesoura, A Noiva-Cadáver, Sweeney Todd, Ed Wood e tantos outros. Diante de tal predileção, é até natural seu interesse na história de Dumbo pelas características próprias do personagem: um elefante que nasceu com orelhas enormes, ridicularizado por todos, até demonstrar um talento único. Só que Burton, para contar a sua versão, ampliou ainda mais o leque dos humilhados que serão exaltados tendo por base um tiro certeiro: a dinâmica romântica em torno do circo.

Tal postura fica escancarada já na sequência de abertura, uma lúdica (e desnecessária) viagem de trem entre cidades onde até mesmo a locomotiva simula um sorriso. A partir de então, o diretor apresenta a fauna circense tendo por base naquela que é a grande mudança deste filme em relação à animação clássica: a história, desta vez, é contada apenas pelos humanos. Com isso, cabe ao dono do circo apresentar a paixão pela lona mesclada aos trambiques necessários para pagar as contas e seguir em frente, em um misto de picareta adorável tão bem personificado por Danny DeVito - é ele, de longe, o melhor do elenco! Soma-se a isso um Colin Farrell que soa como a personificação humana de Dumbo: sem um braço devido à atuação na Primeira Guerra Mundial, ele retorna para casa sem esposa, sem a fama de outrora e precisando criar duas crianças, ao mesmo tempo em que precisa se realocar (e se aceitar) na nova situação. Não por acaso, Farrell empresta ao personagem sua conhecida faceta tristonha, tão usada em suas atuações mais preguiçosas.

O terceiro vértice desta história atende pelas crianças, Milly e Joe, nem tanto pelas atuações dos jovens Nico Parker e Finley Hobbins mas, especialmente, pelo que representam. Em um mundo fraturado pelas consequências da guerra, onde é preciso sobreviver a todo custo, cabe às crianças o posto de acreditar no impossível. São eles que cuidam de Dumbo ao ser desprezado e, não por acaso, é a eles que o pequeno elefante revela a capacidade de voar. A mensagem de Burton é clara: aos adultos não cabe a capacidade de ver além dos olhos, tão essencial nesta jornada.

A partir deste trinômio, Burton reestabelece a narrativa clássica de Dumbo sob um novo olhar, sem no entanto abdicar de seus pontos altos. A separação entre o pequeno elefante e sua mãe está lá, pronta para arrancar lágrimas dos incautos, assim como o impacto em torno do primeiro voo público, de um arrepio inevitável. Amparado pela excelência dos atuais efeitos especiais, o elefantinho transmite ao público uma ternura cativante, seja através do olhar ou mesmo de seu andar inseguro, típico de um recém-nascido. Só que Dumbo enfrenta um grande problema: falta magia.

Ao transmitir aos humanos o dever de narrar esta história, abdicando por completo dos animais, Burton tirou do filme seu encantamento natural pelo lúdico. O companheirismo existente no ambiente do circo até ameniza um pouco tal perda, mais pelo brilho de DeVito do que a apatia de Farrell, mas a partir da aparição de um histriônico Michael Keaton a situação caminha cada vez mais rumo ao burocrático. Ainda mais quando o filme assume de vez sua faceta Tomorrowland, de uma obviedade tediosa.

Soma-se a isso certas decisões estranhas vindas do diretor, como a inserção de uma variante da clássica cena dos elefantes dançando. Na animação, tal situação deslumbra Dumbo após uma bebedeira, justificando o delírio. Aqui, Burton até brinca com um "afaste a bebida dos bebês" para, pouco depois, inseri-la de forma pouco coerente com o tom realista apresentado pelo filme. Veja bem: Dumbo traz um elefante que voa, mas o apresenta como algo mágico em uma realidade bem pé no chão. Por mais que os elefantes dançando surjam aqui como homenagem, ela soa anacrônica em relação a tudo que os cerca - e, como tal, não funciona além da mera citação. Além disto, é bem questionável a existência da personagem de Eva Green, muito mais necessária pela mensagem que Burton deseja transmitir acerca da família do que propriamente por sua participação na história.

Com méritos técnicos incontestáveis, Dumbo é um filme irregular que ora emociona, ora cansa. É curioso como Burton se vê em um paradoxo: por mais que seja um dos diretores mais criativos da atualidade, ele raramente consegue ter a liberdade necessária para criar do zero, sem ter que se ater ao que já existia, o que remete a inevitáveis comparações - uma armadilha que ele mesmo se coloca, ao aceitar tantas refilmagens e adaptações. Se falta ao filme o encantamento do original devido às mudanças na condução da história, tal sensação aumenta ainda mais pelo vasto elenco que pouco entretém de fato, simplesmente representando estereótipos. Soa burocrático e sem inspiração, por mais que, ainda assim, seja um filme correto.