Reformulado, rápido e certeiro
por Pablo MiyazawaA trajetória do Sonic até as telonas apresentou uma rapidez semelhante a que o mascote exibe nos games criados pela produtora japonesa Sega desde 1991. Da divulgação do primeiro trailer ao linchamento nas redes sociais até o mea culpa do diretor, passaram-se apenas dois dias. Para quem não se lembra, o primeiro teaser, revelado em abril de 2019, causou reações inflamadas a respeito da medonha aparência do protagonista digital, um ouriço antropomórfico com bizarros dentes humanos, pelagem exagerada e inconvenientes pernas de atleta.
O diretor Jeff Fowler colocou a cara para bater, a Paramount abriu a carteira para fazer refações e a data de estreia foi remarcada. Um novo trailer, seis meses depois, enfim deixou os fãs satisfeitos. A mudança de design foi tão brutal, e para melhor, que deixou muitos com a pulga atrás da orelha: teria sido esse embaraço público de reformulação uma jogada de marketing das mais arriscadas? Se foi o caso (e não deve ter sido), até que funcionou.
Como uma obra audiovisual baseada em videogames, Sonic - O Filme até consegue ser algo bem acima da média. A base de comparação próxima é Detetive Pikachu (2019), que talvez tivesse mais contexto, ferramentas e recursos para contar sua história. A jornada original do Sonic, por sua vez, não oferece lá muita profundidade, então é preciso aplaudir a trama desenrolada no filme – ainda que ela não seja exatamente original, calcada no batido clichê da "dupla improvável que aprende a conviver". A dupla, no caso, é formada por Sonic (dublado por Ben Schwartz), uma criatura com energia infinita vinda de um universo distante, e Tom Wachoswski (James Mardsen), um xerife bem-intencionado de uma cidadezinha pacata no meio do nada.
Com pouca afinidade entre si e unidos por pura empatia, ambos embarcam em uma road trip para escapar das ameaças do Dr. Robotnik (Jim Carrey), um cientista obcecado em encontrar e dissecar a criatura azul. Mesmo parecendo cansado e interpretando no piloto automático, Carrey está bem e à vontade repetindo seu típico papel de vilão insano, despejando as caretas, espasmos e trocadilhos que o fizeram famoso. Ele equilibra as cenas e atenções com um Sonic tão carismático quanto adorável (não tanto quanto o Pikachu, é verdade), que se comporta como um adolescente em ebulição, encharcado de carência, superficialidade e boas intenções.
O longa começa interessante e em ritmo alucinado, apresentando com bom humor o protagonista e suas motivações, mas perde o fôlego em sua segunda metade, quando o confronto entre Sonic e Robotnik chega às vias de fato. Não há surpresas nem grandes revoluções ao gênero, pois o filme jamais se arrisca em sua narrativa, evitando avançar os limites do entretenimento raso que não exige reflexões. A conclusão é satisfatória, urgente demais, mas conveniente com o que é exalado pelo protagonista indomável. Há portas abertas para uma sequência, que deverá acontecer caso a lucratividade nas bilheterias supere seu alto custo de produção. Mas Sonic acaba merecendo essa possível sobrevida, ainda mais após tantos transtornos para torná-lo viável nas telonas.
Por fim, chega a ser um interessante exercício de imaginação especular como seria se a Paramount tivesse ignorado o clamor popular e nos entregasse o Sonic que planejava antes. Nas atuais circunstâncias, é admirável que um estúdio de cinema se disponha a gastar milhões de dólares além do orçamento para consertar um produto "com defeito", baseado apenas em opiniões frustradas de redes sociais. Conseguiríamos apreciar o filme da mesma forma caso o herói ainda ostentasse a aparência bizarra proposta anteriormente? Com absoluta certeza, não. Valeu então tamanho esforço para agradar os fãs? Com mais acertos do que erros, a resposta é sim.