Críticas AdoroCinema
4,5
Ótimo
Casa Grande

Feijão com arroz com gosto de caviar

por Renato Hermsdorff

Casa Grande começa com a câmera ligada estática nos jardins de uma casa, à noite, apontando para a fachada. Um cara sai da jacuzzi, entra e começa a apagar as luzes. Percorrendo cada cômodo (a câmera continua parada aqui fora), ele desliga uma por uma. É tempo suficiente para inserir com calma os créditos de todos os profissionais envolvidos no filme, do diretor à continuísta, o que dá uma noção do tamanho desta mansão – e da preocupação do personagem. Em Casa Grande, cada gesto é significativo.

Fellipe Barbosa, estreando com categoria no formato longa-metragem, usa de tons autobiográficos para contar a história de Jean (Thales Cavalcanti), um estudante do tradicional colégio São Bento, do Rio de Janeiro (um reduto da alta classe média carioca), no último ano do ensino médio, ou seja, naquela fase em que os hormônios mais cutucam e o presente cobra a definição do que você vai ser para o resto da vida.

Quando a família dele demite o motorista que o leva à escola todo santo dia, o jovem percebe que nem tudo vai bem no reino da Barra da Tijuca (bairro nobre do Rio de Janeiro). E o rapaz passa a usar o coletivo para se deslocar. Os pais, Sônia (Suzana Pires) e Hugo (Marcello Novaes), superprotetores, tentam esconder a derrocada financeira dos filhos, a reboque da falência de um tipo de capital especulativo. (Pense “Eike Batista”: o tema é pertinente e atual).

 

Em certo sentido, a produção mantém uma tradição do cinema brasileiro do filme de denúncia social. Por outro lado, inova com um roteiro redondo, sobretudo apoiado em diálogos críveis, tão raros em produções nacionais, o que resulta em um apelo comercial igualmente inusitado para uma obra cinematográfica brasileira que não é filha da TV.

Para viver os personagens principais, Barbosa escalou atores não profissionais. Thales Cavalcanti, que até então, era “só” um estudante do São Bento na “vida real”, talvez por isso mesmo, tem uma atuação bastante convincente – e também sutil, mérito do novo ator, claro.

No ônibus, Jean conhece a personagem de Bruna Amaya (outra estreante), uma menina mestiça, que estuda em escola pública e, não tarda, os dois engatam um namoro. É um personagem doce, que Amaya faz sorrir com os olhos. E a grande surpresa é a hilária empregada doméstica vivida pela novata Clarissa Pinheiro, sem dúvida uma das melhores contribuições do filme.

Conhecidos da TV, Marcello Novaes e Suzana Pires foram escalados, ao que parece, para ajudar essa nova geração a brilhar. O que fazem com muita generosidade.

Ninguém, no entanto, teria condições de alcançar registros tão sinceros se os personagens não fossem tão bem construídos. Se a junção do pai linha dura, com a mãe carinhosa, a pobre batalhadora, a empregada sacana, em um primeiro momento, podem soar como ingredientes para um uma torta de clichês, a sutileza das ações e a veracidade por trás das falas fermentam um resultado final honesto e tocante.

Para driblar o risco de cair em um tom panfletário, Barbosa, que também é responsável pelo roteiro (ao lado de Karen Sztajnberg) usa de leveza e bom humor – à parte um discurso polêmico da personagem de Amaya, no fim, que parece deslocado do tom geral do filme. (E não deixe de reparar em uma participação mais do que especial de Lucélia Santos).

Na forma, o filme é até modesto; Fellipe não tem pretensão de inventar a roda, o que, convenhamos, é um grande mérito no país. Mas é o conteúdo o maior trunfo que habita esse Casa Grande.

Filme visto no Festival de Paulínia, em julho de 2014.