Críticas AdoroCinema
2,0
Fraco
Black Butler - O Mordomo de Preto

Tudo ao mesmo tempo agora

por Bruno Carmelo

A primeira coisa que se deve dizer sobre este filme japonês é que ele representa algo diferente de tudo que se encontra no mercado brasileiro. A nova distribuidora Sato Company apostou numa história de ritmo único, montada, iluminada e roteirizada com uma sensibilidade incomum às produções ocidentais. Talvez o mérito da presença desta obra nos nossos cinemas seja colocar o público brasileiro em contato com uma forma singular de contar histórias, na época em que a dominante indústria americana tende à homogeneização das produções.

Entre as estranhezas de Black Butler - O Mordomo de Preto encontra-se a sua relação com os gêneros cinematográficos. Esta não é uma obra fácil de definir, partindo de uma premissa histórica e dramática para incluir elementos fantásticos, cômicos, policiais, de suspense e terror, com direito a grandes cenas de luta, pessoas transformadas em múmias... Existem conflitos demais, cenas demais no projeto com intenção de abarcar todas as formas de fazer cinema. Uma sinopse possível, apesar de redutora, diria respeito à herdeira de uma família burguesa (Ayame Gôriki), que vende sua alma a um mordomo-demônio (Hiro Mizushima) em troca de proteção, enquanto uma droga poderosa começa a afetar os moradores da cidade.

Elementos temáticos potencialmente interessantes começam a se desenhar. Os personagens são confrontados a questões de identidade de gênero, quando uma garota se passa por garoto para comandar os negócios familiares, com auxílio do mordomo andrógino. A alegoria da alma vendida ao demônio poderia remeter ao "Fausto" de Goethe, numa possível adaptação. Mesmo a história da Segunda Guerra Mundial se cola à trama sobre o mundo dividido em duas metades, uma delas efetuando experiências médicas com os moradores, o que leva a pensar nas práticas nazistas. Infelizmente, nenhum desses temas é aprofundado.

Aliás, nada é realmente aprofundado. Black Butler - O Mordomo de Preto é uma obra hiperativa, com tanta pressa em passar a novas cenas, novos conflitos e novos espaços que atropela seus personagens e seu contexto. O filme consegue a proeza de ser ao mesmo tempo confuso e didático demais: por um lado, ele satura os sentidos pelo acúmulo de informações, por outro lado, incomoda por usar personagens na única intenção de explicar tudo uns aos outros. Eles dizem o que fizeram no passado, quais são suas intenções no presente, o que poderá acontecer no futuro, para que serve cada objeto, cada droga, de que cada personagem é capaz, como funciona cada organização. A descrição onipresente busca compensar o que a imagem não consegue desenvolver.

Com tantos momentos díspares em jogo, é inevitável que alguns instantes se destaquem. As cenas de luta, lideradas pelo mordomo demoníaco com suas luvas brancas e faca de manteiga, são bem coreografadas e de ritmo eficaz, já o melodrama que ocupa a projeção após a segunda metade da trama apela para os recursos narrativos mais cafonas das telenovelas. O potencial crítico dos zumbis e das múmias é atenuado pelas revelações sobre identidades trocadas, traumas passados, dores familiares em flashback... Os diretores Kentarô Ohtani e Keichi Sato acompanham esta avalanche sensorial com enquadramentos angulados, figurinos extravagantes, cores exageradas e efeitos surreais de luz. Os segmentos brigam entre si: fotografia, montagem, direção de arte e roteiro tentam chamar mais atenção um que o outro. O pouco de sentido que restava ao início se perde na conclusão catártica no limite do cômico.

Sem dúvida, existe um público para produções como esta, e sua chegada aos cinemas é saudável à pluralidade do circuito. O desafio que se apresenta aos distribuidores é encontrar o público sensível a esta forma de histórias, fidelizá-lo para obras futuras e também – aí vem a parte mais difícil – conquistar novos fãs que jamais teriam prestado atenção a uma obra tão desconexa e inchada. Mas a dificuldade merece ser enfrentada.