Críticas AdoroCinema
2,0
Fraco
As Montanhas Se Separam

Go West

por Francisco Russo

(Vá para o Oeste) A vida é pacífica lá

(Vá para o Oeste) Ao ar livre

(Vá para o Oeste) Onde os céus são azuis

(Vá para o Oeste) É o que nós temos que fazer

Apesar de ter sido lançada em 1993, quando a União Soviética ainda era o principal oponente ideológico dos Estados Unidos, a letra da canção “Go West”, do duo Pet Shop Boys, poderia também se referir à China. Afinal de contas, o país segue também o regime comunista (não nos mesmos moldes) e, é claro, fica no oeste. Foi esta bela sacada que teve o diretor Jia Zhang-ke ao rodar seu novo longa-metragem, As Montanhas Se Separam (“Shan he gu ren”, no original), exibido na competição oficial do Festival de Cannes.

O motivo da citação a “Go West” é porque a canção tem presença importante e cativante no longa-metragem, ao ponto de despertar a nostalgia do espectador e até mesmo influenciar seu olhar sobre o filme. Da mesma forma, mas não com a mesma intensidade, o longa oferece algumas situações inusitadas: o título surge com quase uma hora de duração, a tela alterna o tamanho a cada novo trecho e um avião sofre uma queda e explode diante de uma personagem, de forma absolutamente falsa. Não há justificativa para cada uma destas decisões, mas o conjunto dá ao filme uma proposta inusitada. Ainda mais pelo fato de que sua trama é dividida em três atos, cada um em décadas diferentes, sendo que o último se passa no futuro.

Por mais que seja bastante inventivo, As Montanhas Se Separam não consegue se sustentar como história. O primeiro ato, o mais tradicional do trio, situa o triângulo amoroso que norteia o longa-metragem: a jovem Tao e os pretendentes (e inicialmente amigos) Liangzi e Jinsheng. Não demora muito para que os homens do triângulo amoroso duelem entre si, com direito a provocações dignas de comédias românticas adolescentes e um ciuminho bastante bobo, incentivado pela diferença de classes sociais existente. Nada muito diferente do que acontece praticamente todo dia em Malhação, só que agora em território chinês.

Os atos seguintes, situados em 2014 e 2025, mostram desdobramentos desta história inicial, mas de forma bem esparsa. Personagens retornam e são logo abandonados, sem desenvolvimento na trama. Não há propriamente uma continuidade, mas um olhar sobre certos personagens em um momento específico. No caso do trecho de 2025, há como curiosidade certas previsões sobre o futuro da China e um desprezo pelo passado, do país e da própria sociedade local, em detrimento de uma “americanização”. De certa forma, trata-se de uma mensagem do diretor em relação ao que já acontece atualmente, com várias empresas americanas negociando com o governo chinês para que possam vender seus produtos à gigantesca população local. Entretanto, por mais que haja simbolismos aqui e ali, muitas vezes eles são meramente gratuitos.

No fim das contas, As Montanhas Se Separam é um grande amontoado de ideias inusitadas, só que mal desenvolvidas dentro da proposta narrativa como um todo. Pela originalidade de algumas destas ideias até é interessante de ver, mas o conteúdo é tão frágil e tão infantil, em certos momentos, que deixa uma frustração. E aí cabe apelar mais uma vez ao recurso de “Go West”, para novamente empolgar o espectador. Funciona? Dependendo de quem assiste, sim. Mas soa como truque repetido tirado da cartola por Zhang-ke, diante da ausência de qualquer outra possibilidade interessante oferecida pelo longa-metragem.

Filme visto no 68º Festival de Cannes, em maio de 2015.