Críticas AdoroCinema
2,5
Regular
Tamo Junto

Pequenas ambições

por Bruno Carmelo

Na apresentação desta comédia no festival de Gramado, a equipe fez questão de frisar que este não é um filme político, nem de intenções profundas. E sim, ele tem muitos clichês. A consciência do projeto é um bom ponto de partida para analisar Tamo Junto, um filme essencialmente autorreferente, no qual o diretor Matheus Souza interpreta um dos papéis principais da história sobre garotos fracassados tentando experimentar as drogas e o sexo. São claras as afinidades com American Pie, Porky’s, A Vingança dos Nerds, A Primeira Noite de um Homem, Superbad, Segurando as Pontas, Projeto X etc.

Mas a equipe sabe muito bem disso, e assume as suas colagens. Assim, o projeto torna-se imune à reclamação quanto à falta de originalidade, afinal, este nunca foi o objetivo. As maiores virtudes do cinema clássico e autoral são abandonadas neste caso: além de não buscar a originalidade, também não se deseja surpreender pela estética rebuscada, pela complexidade psicológica dos personagens, pelos conflitos morais/éticos da narrativa, pela carga emocional, pelo conteúdo metafórico ou poético, pela conexão com outras artes ou pelo distanciamento em relação à linguagem cinematográfica. Não se deseja nem mesmo a subversão das referências mencionadas: os personagens falam em clichês de filmes apenas para repeti-los de modo alegremente autoindulgente.

As ambições, portanto, são modestas: pretende-se divertir oferecendo mais do mesmo ou, como é o caso das comédias românticas, fornecendo a garantia de que você vai encontrar no fim exatamente a conclusão que procurava. Neste terreno conhecido, a originalidade constituiria quase uma afronta. Portanto, quando o fracassado Felipe (Leandro Soares) sonha em conquistar o antigo amor do colégio, Júlia (Sophie Charlotte), e quando seu amigo excêntrico Paulo Ricardo (Matheus Souza) sonha em transar e experimentar as drogas, você sabe que ambos vão atingir seus objetivos. Isso não é spoiler, apenas a garantia de que o investimento vale a pena para quem espera ver exatamente essas cenas no cinema.

O desenvolvimento mantém as características dos trabalhos anteriores do cineasta: diálogos velozes e ininterruptos, centenas de referências a filmes, séries, games, memes da Internet e do YouTube, brincadeiras com estilos de outros cineastas (uma cena em estilo Woody Allen, uma conversa na praia com decupagem à la Wes Anderson). Tamo Junto mantém a estrutura de filme-gadget, lançando ícones para quem conseguir compreender e absorver o máximo número de citações, numa espécie de jogo. Será interessante assistir à obra daqui a uma década e, interpretando-a como sintoma de sua época, descobrir quantos espectadores compreendem piadas como “Ahã, Glória Perez, senta lá”.

Felizmente, os dois atores do núcleo “realista” da trama estão muito bem em seus papéis. Leandro Soares e Sophie Charlotte brincam com o texto sem afetações, extraindo verossimilhança de algumas cenas difíceis de levar a sério, como o momento em que decidem gravar um rap no YouTube. Pela estrutura narrativa, Matheus Souza deveria funcionar como o sidekick, mas o cineasta oferece a si mesmo uma participação tão grande quanto, ou maior, que a do protagonista. Ao menos os dois núcleos se equilibram: após longas tiradas histriônicas de Paulo Ricardo, Felipe aparece para oferecer um humor mais terno e humano, desacelerando o ritmo da narrativa. Entre contração (os gritos de Paulo Ricardo) e relaxamento (as expressões desoladas de Felipe), a narrativa percorre seu caminho linear, previsível e fluido.

Por fim, o impacto de Tamo Junto depende do critério de avaliação: para quem esperar apenas algumas piadas sobre a variação do “adolescente tímido em busca de sexo”, o filme cumpre seu objetivo. A sessão do filme de fato teve vários risos ecoando pela sala. Para quem espera do cinema, inclusive da comédia, a possibilidade de questionamentos mais interessantes ou de uma imagem mais elaborada – como já fizeram Woody Allen, Todd Solondz, Neil Labute, Spike Jonze, Michel Leclerc, Jorge Furtado etc. -, o resultado pode ser a frustração.

Filme visto no 44º Festival de Cinema de Gramado, em setembro de 2016.

PS: Durante a apresentação em Gramado, Matheus Souza disse: “O crítico do AdoroCinema me odeia, o que é irônico, porque o site se chama AdoroCinema”. O comentário dizia respeito ao texto negativo sobre sua obra anterior. Mas é melhor esclarecer as coisas. Caro Matheus, nós adoramos cinema sim, muitíssimo, mas isso não significa que gostamos de todos os filmes que vemos. Você também não deve gostar de tudo que vê, imagino. Pode ficar tranquilo que ninguém te odeia na equipe do site. Sabemos muito bem separar a obra do criador, e não gostar de um não significa não gostar do outro. Nunca tive a oportunidade de conversar com você pessoalmente para formar qualquer opinião a seu respeito, positiva nem negativa. Mas fico aberto a encontros - cordiais, é claro -, em que teremos a oportunidade de debater e de discordar do texto de um e do filme do outro. A função da crítica, talvez, seja justamente estabelecer diálogos.