Viagem antropológica
por Lucas SalgadoGrande vencedor da Mostra de Cinema de Tiradentes de 2014, A Vizinhança do Tigre é uma experiência quase que antropológica. O diretor Affonso Uchoa entra no universo do bairro Nacional, região pobre de Contagem/MG, e retrata o dia a dia de jovens do local. Ele busca interferir o mínimo possível na narrativa, o que nos passa a impressão de um registro muito preciso de suas rotinas, sem que a câmera tornasse as situações em algo ensaiado ou falso.
O filme sofre um pouco com problemas de ritmo, principalmente no começo, e também não oferece uma conclusão totalmente satisfatória. Embora fique claro que tal conclusão não existe para tais pessoas. Com exceção da morte, o que infelizmente aconteceu com um dos personagens do filme, como mostra uma menção nos créditos finais.
Juninho, Eldo, Adilson, Menor e Neguinho são cinco garotos que vivem em dificuldade e sonham com uma vida melhor. Eles estão sempre divididos entre o trabalho e o lazer, e entre o legal e o ilegal. O longa traz sequência marcantes de situações banais, como dois deles conversando sobre as fotos da mãe em um celular ou outros roubando tangerinas da árvore do vizinho.
Uchoa não julga seus personagens, mas também não busca suavizar seus universos. Ele retrata a iniciação no mundo do tráfico e ainda mostra a forma banal como um jovem brinca com uma arma. É um objeto que é visto quase como um brinquedo.
Em um cenário de muita pobreza, a fotografia opta por retratar o ambiente da forma mais crua possível, sem querer estilizar a miséria. O trabalho de câmera é o ponto forte da produção, que é um filme basicamente sobre ambientação. A câmera segue os meninos e passeia pelo cenário, reforçando as desigualdades do mundo de hoje e deixando claro que estamos diante de crianças que foram obrigadas a crescerem cedo demais.
Filme assistido durante a cobertura do 21º Festival de Vitória, em setembro de 2014.