Críticas AdoroCinema
3,5
Bom
Victoria

Os prazeres do plano-sequência

por Bruno Carmelo

“Uma garota. Uma noite. Uma cidade. Uma sequência”. Talvez o slogan estampado no cartaz de Victoria represente a primeira vez que eu tenha visto um filme anunciar, como parte de sua campanha publicitária, o fato de ter sido feito em um plano-sequência. O artifício não é novo: que seja com a ajuda de cortes “invisíveis” (caso de Arca Russa, Birdman), ou com um real plano-sequência (como o nacional Ainda Orangotangos e esta obra alemã), muitos filmes já foram realizados inteiramente em uma única sequência.

Victoria tem do que se gabar, afinal, sua sequência de duas horas e vinte minutos é de tirar o fôlego. A coreografia feita pela câmera é impressionante, e deve ter exigido uma preparação minuciosa para acompanhar a espanhola Victoria (Laia Costa) saindo de uma casa noturna em Berlim, conhecendo quatro amigos, passeando pelas ruas, andando de bicicleta, indo para o alto de prédios, correndo da polícia, entrando em garagens... Para ajudar, os enquadramentos – sempre limitados pelo próprio dispositivo – são belos, funcionais, coroados por um uso expressivo da iluminação natural.

Talvez o problema com este recurso seja o fato de canibalizar o filme. Durante a sua projeção, na Berlinale, não se falava de outro aspecto da obra, nada chamava tanta atenção quanto a sua proeza técnica. Em todas as artes clássicas, sempre se valorizou muito a relação entre dificuldade e qualidade: os quadros renascentistas, com suas imagens de tecidos realistas, ou as estátuas de corpos humanos em perfeita proporção, foram apreciados justamente pela dificuldade de representação. Quando o público comum desmerece uma pintura abstrata, por exemplo, a justificativa costuma ser “Eu também poderia fazer isso”, ou seja, é algo fácil demais.

O plano-sequência, afinal, impressiona não apenas pela capacidade de deixar o olhar “livre”, sem a manipulação da montagem, como diria André Bazin, mas também por ser um recurso evidentemente difícil de realizar. Talvez outras produções tradicionais, com uso expressivo de montagem, sejam igualmente complexas em sua produção, mas o plano-sequência torna esta dificuldade explícita, ostensiva. A dinâmica exigente de sua produção pode ser deduzida tanto por um crítico astuto quanto pelo espectador comum, o que transforma a sua suposta qualidade em algo popular.

Assim, o conteúdo em Victoria é deixado de lado, ou pelo menos fica em segundo plano. A história oscila no tom: inicialmente, ela sugere uma noite de perigos (sexuais) para a jovem que aceita passear com quatro homens violentos e anônimos na rua. Aos poucos, todos se revelam mais gentis do que se imaginava, e o retrato da amizade no grupo torna-se realista, tocante. O filme busca a poesia ao criar um passado para os protagonistas durante uma cena dentro de um café, ao som de Mephisto Waltz ao piano.

No entanto, a narrativa se transforma e busca o cinema de gênero, a história de gângsteres, transparecendo a vontade de embutir ação ao plano-sequência. O desafio torna-se maior, e o público acompanha o diretor Sebastian Schipper, tal qual um artista de circo, fazer acrobacias cada vez mais improváveis e arriscadas. O resultado é agradável de se ver, bem costurado do ponto de vista narrativo, mas um tanto irrelevante. Afinal, Victoria será lembrado – caso venha a ser lembrado – apenas por seu plano-sequência de 2h20. Seu trunfo pode se tornar a sua maior limitação.

Filme visto no 65º festival de Berlim, em fevereiro de 2015.