Críticas AdoroCinema
3,0
Legal
Ricki and the Flash – De Volta pra Casa

As novas famílias fracassadas

por Bruno Carmelo

Ricki (Meryl Streep) é uma roqueira que abandonou a família para viver de música, mas essa mulher não é tão libertária quanto pode parecer: ela é homofóbica, racista e fã de George W. Bush. Seu ex-marido, Pete (Kevin Kline), tem a aparência um riquinho conservador, mas esconde grande quantidade de maconha no congelador. Os filhos aparentam ser produtos típicos do american way of life, mas um deles (Nick Westrate) é gay, e o outro (Sebastian Stan) leva uma vida hipster de veganismo e anticapitalismo.

Logo nas primeiras cenas, percebe-se que a história um tanto gasta de Ricki and the Flash – De Volta pra Casa, sobre uma mãe ausente que retorna ao lar para reconquistar os filhos, possui elementos distintos das típicas produções do gênero. A trama foi adaptada aos tempos contemporâneos, com novas figuras de escárnio, que vão da direita à esquerda, dos pais aos filhos. Não existe maniqueísmo, ninguém escapa do olhar cínico de Diablo Cody, roteirista e verdadeira autora deste drama.

Desde que despontou com o roteiro de Juno, Cody passou a criticar a hipocrisia dos tipos dominantes (Jovens Adultos) e a sexualidade reprimida das “garotas corretas” (Garota Infernal) com um olhar particularmente afiado para os diálogos. Nesta obra, seu prazer pelos ataques verbais atinge o ápice: as brigas entre Ricki e a filha Julie (Mamie Gummer), ou entre a roqueira e seus companheiros de banda são marcadas por um linguajar muito natural. Cody consegue criticar com humor mordaz o politicamente correto – basta ver a deliciosa comparação do amor com Big Mac, ou a cena da disputa no restaurante, diante de um pai solteiro e sua filha pequena.

O elenco contribui bastante à empreitada. Meryl Streep é sempre confiável em papéis camaleônicos, fazendo de Ricki uma personagem empática apesar dos traços egoístas. Kevin Kline é um gênio cômico que nem sempre tem encontrado bons papéis no cinema, mas funciona como bom contraponto à força de Streep. Apenas Mamie Gummer destoa dos demais, com sua atuação excessivamente bruta, mesmo quando o roteiro exige um pouco de ternura. De modo geral, o elenco tira bom proveito da velocidade dos diálogos e das cenas catárticas.

Mesmo com este rico painel humano, Ricki and the Flash se sai melhor construindo conflitos do que tentando resolvê-los – esta, aliás, é outra característica dos roteiros de Diablo Cody. Rumo ao final, o sentimentalismo toma conta das cenas, e a conclusão melosa não faria feio a uma comédia romântica estrelada por Katherine Heigl. É uma pena que, depois de desconstruir todas essas pessoas e apresentar as suas falhas, o roteiro volta a idealizá-las.

O diretor Jonathan Demme, que já tinha se apaixonado pelos tipos cheios de falhas em O Casamento de Rachel, repete a abordagem indie, desta vez de modo mais otimista e menos inspirado. Suas composições são meramente funcionais, apagadas pela direção de arte exagerada (os cabelos cheios de nós da filha depressiva, a saída ao restaurante de pijama) e pela trilha sonora, que usa e abusa do talento vocal de Meryl Streep. A atriz canta cerca de nove canções ao longo da narrativa, algumas delas inteiras. Quem vai prestar atenção nos simples planos de conjunto de Demme enquanto Streep está cantando Lady Gaga ou Pink?

Ricki and the Flash – De Volta pra Casa não é uma obra muito memorável. No entanto, dentro de sua estrutura previsível, existem ótimas cenas que resultam do encontro de uma roteirista talentosa com um elenco acima da média. É sempre um prazer assistir a Meryl Streep passando da comédia ao drama em uma única cena, arrancando risos e lágrimas em poucos minutos. Momentos como estes fazem a força do filme.