Fábula íntima
por Bruno CarmeloA fascinação humana pela passagem do tempo e pela inevitabilidade da morte já levou a grandes clássicos da literatura, como "O Retrato de Dorian Gray" e "Em Busca do Tempo Perdido". No cinema, as possibilidades imagéticas do tema são normalmente transformadas em espetáculo: O Curioso Caso de Benjamin Button parecia um catálogo de maquiagem e efeitos especiais, as versões cinematográficas de Dorian Gray se deliciaram com truques ostensivos de montagem e roteiro.
Neste contexto, é um prazer assistir a um filme como A Incrível História de Adaline que, embora esteja longe de atingir a profundidade psicológica e filosófica das obras acima, evita o caráter espetacular do tema, preferindo analisar suas consequências íntimas. Na trama, Adaline (Blake Lively) sofre um acidente de carro, e por uma combinação curiosa de fatores, nunca mais envelhece. A juventude eterna poderia ser vista como uma vantagem, mas o roteiro trata de interpretá-la como maldição: Adaline está condenada a ver todos morrerem ao seu redor, ela deve se esconder para não ser considerada uma aberração.
A premissa é absurda, e por isso o diretor Lee Toland Krieger acerta ao assumir o tom de fábula. Um narrador apresenta os passos desta história, com o acréscimo interessante do sarcasmo e do cientificismo. Ninguém cobraria uma explicação física e matemática deste filme, mas a narração justifica como o choque elétrico aplicado ao corpo de Adaline em estado de hipotermia poderia provocar o efeito de suspensão do tempo. Esta teoria não existe, obviamente, mas o narrador justifica com bastante humor que “ela será descoberta em 2035”. O filme brinca com sua própria falta de realismo.
Por se focar na permanência, ao invés da transformação, as imagens são minimalistas. Os raros momentos com efeitos especiais (o acidente de carro, em especial) bastam para lançar uma história de amor tradicional, incrementada pela premissa de realismo fantástico. A Incrível História de Adaline remete a Questão de Tempo, outro romance que usava regras de gêneros alheios (no caso, a ficção científica) para trazer novidades a um gênero tão engessado quanto as histórias de amor à primeira vista. Adaline também estabelece paralelos com o recente Cinderela, fábula que cativava justamente pelo desenvolvimento simples e dramático de um ponto de partida excepcional.
O romance não é subversivo, pelo contrário: a lindíssima Adaline apaixona-se à primeira vista pelo lindíssimo e filantropo Ellis (um milionário que vive doando o seu dinheiro), fator que levou alguns críticos a estabelecerem comparações com os romances açucarados de Nicholas Sparks. De fato, todos os clichês do romance estão presentes – além de termos personagens brancos, belos, ricos e heterossexuais se amando perdidamente – mas A Incrível História de Adaline surpreende ao buscar símbolos mais cinzentos do amor romântico. Os encontros do casal ocorrem em um túnel sujo onde ele busca vestígios de um barco, ou dentro de uma usina abandonada com carros empoeirados. Quando Ellis oferece flores a Adaline, ele não entrega rosas ou cravos, e sim livros com títulos de flores. É igualmente interessante notar que as quatro principais mulheres desta história (Adaline, sua melhor amiga, a irmã de Ellis e a mãe de Ellis) são personagens fortes, que comandam as suas histórias de amor sem ficarem dependentes dos homens. Aqui, os apaixonados são os homens, sofrendo e correndo atrás de suas amadas.
No papel principal, Blake Lively faz uma composição interessante de Adaline. Com a voz calma e experiente de quem já viveu décadas, ela compõe um misto de pudor (afinal, a personagem vive escondida) e instantes de furor (como o carro dirigido rapidamente, trunfo de quem não tem nada a perder). Talvez Michelle Williams ou Carey Mulligan conseguissem transmitir com maior profundidade a melancolia da personagem, mas Lively opta por um caminho delicado, combinando com a abordagem intimista da direção. Harrison Ford constrói em poucos gestos a alegria de reencontrar o amor de sua juventude – algo a ser felicitado, já que é raríssimo encontrar em Hollywood personagens apaixonados na casa dos 70 anos de idade. Michiel Huisman limita-se ao jogo sedutor e maneirista, prejudicado pela superficialidade do personagem.
A Incrível História de Adaline comove por tratar de modo humano e discreto um tema que se prestaria tão bem à pirotecnia do cinema de estúdio. Sua história pode ser previsível, e os personagens secundários não possuem grande complexidade, mas funcionam como peças de uma pequena fábula amorosa. Pode ser uma obra pouco relevante em meio às produções disponíveis no mercado, mas trata-se de um passo notável dentro do gênero romântico.