Críticas AdoroCinema
4,0
Muito bom
O Julgamento de Viviane Amsalem

A lei dos homens

por Bruno Carmelo

Em Israel, de acordo com as leis religiosas, um casal apenas pode se divorciar com o consentimento do marido. É ele quem decide se a mulher pode ou não ficar “livre para outros homens”. O Julgamento de Viviane Amsalem questiona este princípio ortodoxo através da história de uma esposa que luta, durante cinco anos, para obter o divórcio de um marido controlador. Como ele se recusa a conceder a separação, os rabinos e juízes nada podem fazer para resolver o caso.

É interessante que o roteiro não apresente fatos agravantes para justificar o divórcio. Nenhuma violência doméstica, infidelidade ou abandono é introduzido na trama para sustentar o pedido. Viviane deseja abandonar o marido por falta de amor. “Isso é irrelevante”, responde um dos juízes. Pelo contrário, parecem dizer os diretores Ronit Elkabetz e Shlomi Elkabetz: o absurdo tão bem abordado neste drama é o amor sendo ignorado pelas leis religiosas. Ora, se o marido não bate na esposa, se ele fornece os bens materiais necessários à vida do casal, ela não tem motivos palpáveis para requerer o divórcio. A religião judaica, machista como todas as três grandes religiões (cristianismo e islamismo incluídos), faz da mulher uma possessão do homem.

O Julgamento de Viviane Amsalem consegue evitar o maniqueísmo que poderia facilmente nascer do tema. Viviane (Ronit Elkabetz) não é uma pobre vítima, Elisha (Simon Abkarian) não é um monstro. Os juízes também não são pessoas perversas e maldosas; eles apenas seguem uma ideologia que os precede, sem questionamento. Isso torna a mecânica desta história tão fascinante: todos estão presos a uma lei (divina e humana) que não se adaptou à evolução social. Viviane é apresentada como uma mulher moderna, embora não revolucionária, apoiada por um advogado idealista (Menashe Noy) e contestador, por não usar o quipá diante de autoridades religiosas. Ventos modernos sopram na claustrofobia deste cenário.

Por falar em cenários, o filme inteiro se passa no espaço de um tribunal. Nenhum personagem abandona os cômodos brancos e minimalistas da sala de julgamento e da sala de espera. O recurso teatral poderia ser monótono, mas os cineastas adotam uma abordagem expressiva e dinâmica dos planos e da montagem. A sucessão de elipses indicadas na tela (“dois meses mais tarde”, “três meses mais tarde”) reforça o absurdo tragicômico deste caso: os personagens retornam às mesmas cadeiras, ano após ano, debatendo o direito de não amar. A luta labiríntica e repetida de Viviane, mês após meses, adquire tons kafkianos.

A rigidez dos planos tem como resultado uma beleza muito diferente da estética comum no cinema de arte. Ao invés de belas luzes vindo dos corredores, ou movimentos bem compostos por uma câmera atenta, Gett (no original) explora a imobilidade como fariam as pinturas renascentistas. Quando Elkabetz lança olhares potentes (ora tristes, ora raivosos) ao marido dentro da sala, o enquadramento de seu rosto diante do fundo branco e infinito lembra um retrato posado, dotado de grande emoção por destacar nada além da figura humana e sua comoção. A imobilidade vira um motor criativo, confiando plenamente no desempenho dos atores.

No quesito atuações, aliás, estamos em um território de grande refinamento. Ronit Elkabetz apresenta um desenvolvimento rico e plausível à personagem, com espaço para momentos de humor e de descontração. Akbarian, Noy e Sasson Gabai contribuem para um diálogo verbal repleto de nuances e ambiguidades. Cenas como a confissão de uma testemunha sobre os abusos de seu marido são excelentes, por conterem ao mesmo tempo a força cultural do senso comum (afinal, ela supõe que é normal maridos maltratarem as mulheres) e a tristeza de se identificar, pela primeira vez na vida, como cidadã detentora de direitos.

O Julgamento de Viviane Amsalem constitui uma bela obra humanista, evitando o maniqueísmo e o didatismo com inteligência ímpares. Este é um dos melhores tipos de filme político: aquele que pretende debater ao invés de doutrinar, usando a estética como ferramenta militante tão importante quanto o roteiro e as atuações.