Críticas AdoroCinema
3,0
Legal
Amor, Paris, Cinema

Um filme, um filho — e si mesmo

por Rodrigo Torres

O título de uma obra muitas vezes revela a intenção de seus envolvidos, seja o artista, seja o mercado. Se Amor, Paris, Cinema usa de três palavras genéricas para tocar diretamente seu público alvo no Brasil (o típico espectador do circuito de arte que aprecia a cinematografia francesa), o original Arnaud fait son 2ème film sintetiza com clareza e eficiência a proposta temática, metalinguística e cômica de seu realizador: transformar em filme o desejo de Arnaud Viard em fazer seu segundo filme, onze anos após Clara et moi.

A primeira cena de Amor, Paris, Cinema também é um bom prenúncio dos elementos que virão a seguir, e explicativo sobre tamanho hiato entre os dois trabalhos como diretor de Arnaud Viard. Sentado na privada, o cineasta e protagonista quebra a quarta parede e fala diretamente ao espectador, de maneira íntima, literalmente despido. O cenário dialoga com o discurso, com o ator/realizador associando dificuldades na vida pessoal e profissional à constipação: "Uma vez que passa, tudo se torna fluido". Infelizmente, porém, a última vez que ele teve tal sensação de alívio foi há mais de uma década. Amor, Paris, Cinema é, portanto, um filme sobre a dificuldade de Arnaud em fazer seu segundo filme, retratando também seus contratempos de cunho amoroso, financeiro, enfim, cotidianos.

Desse modo, Arnaud Viard busca um cinema confessional fácil de fazer e, de certa forma, difícil acertar. Nessa ambiguidade reside uma característica comum de projetos abertamente autobiográficos: a falsa despretensão. Enquanto a simplicidade é permissiva e até bem-vinda na forma, confiando no naturalismo para a concepção da fotografia aos diálogos, às atuações, à sua comicidade, a tudo, é ambicioso calcar tão somente em si e em suas próprias vivências a trama de um longa-metragem. É preciso bastante refinamento observacional e/ou filosófico para se provar relevante, envolvente ao público, e Arnaud nem sempre é bem-sucedido nesse sentido. Quando apela ao melodrama, ele é mais universal e sincero, enquanto ao tratar de amor soe um bocado narcisístico. Tal como um Woody Allen, só que bem menos sofisticado — o que também se aplica ao humor idiossincrático do autor francês, que constantemente soa infame, bobo, sem a graça ou a profundidade do cineasta nova-iorquino (referência nesse tipo de comédia).

A principal inspiração de Amor, Paris, Cinema é, no entanto, o neoclássico italiano Caro Diário. Uma referência direta que também tem ressonância em sua subtematização explícita em cartelas (os temas expostos em legendas sobre o fundo negro), porém mais constantes, marcando cada grande situação pessoal vivida por Arnaud. Operado em cortes secos, o conceito resulta em certa perda de coesão narrativa, com a comédia dramática por vezes soando como uma reunião de esquetes cotidianos do cineasta (que revelam uma inquietude bem mais simplória que as opiniões, discussões e reflexões levantadas por Nanni Moretti — irônico e complexo). O mesmo vale para a sequência de sexo em que os personagens emulam o truque do cinema ao encená-la totalmente vestidos ou quando Viard associa a escrita em seu laptop ao ato de tocar piano: são boas ideias, porém artiradas de forma um tanto aleatória.

Curiosamente, como que antecipando tais ressalvas, Arnaud Viard finaliza Amor, Paris, Cinema com uma analogia bonita entre um filme e um filho. Seu longa-metragem é uma realização pessoal, pelo qual nutre profundo carinho, que ostenta com orgulho e possui as suas características — mas que, ao exibir comercialmente, ou cortar o cordão umbilical com as próprias mãos, lança ao mundo para ganhar vida própria. É um belo final (diga-se de passagem, muito bem-sucedido pelo surpreendente toque de "Lança Perfume", de Rita Lee, ao fundo), que ressignifica todo o resto, realça a simpatia de basicamente toda a projeção (que ainda se vale de ser curta) e o entusiasmo do ator, diretor e pessoa que em prol da arte se expõe: o valoroso Arnaud Viard.