Críticas AdoroCinema
4,0
Muito bom
Phoenix

As dores do fim da guerra

por Francisco Russo

O tema da Segunda Guerra Mundial volta e meia é abordado pelo cinema, sob os mais diversos aspectos. Entretanto, boa parte dos filmes se atêm aos preparativos ou às batalhas em si, seja pelo enfoque político, emocional ou da batalha mesmo, um contra o outro. Phoenix, novo trabalho do diretor Christian Petzold (Barbara), aborda um momento posterior, após a guerra. É na Berlim arrasada pelas bombas, com destroços por todo canto e uma população obrigada a conviver com a ocupação americana ao mesmo tempo em que precisa lidar com suas chagas do passado, que vive Nelly Lenz. Sobrevivente de um campo de concentração, a cabeça toda enfaixada por seu rosto ter sido desfigurado, ela tenta sobreviver. Física e psicologicamente.

Se Nelly é a representação da desgraça provocada pela guerra, os dias seguintes ao conflito representam um recomeço em meio ao horror. O próprio título do filme aponta para o renascimento, por mais que Phoenix também seja o nome de uma boate presente na história. Da reconstrução facial vem o inevitável incômodo com o novo rosto, irreconhecível para si mesma, passando pela difícil trajetória de voltar a ter uma vida “normal” – ou o mais próximo da normalidade que a situação permita. O desespero em voltar a ser quem era a faz vagar pela cidade, sempre ansiosa, em busca de seu amado Johnny. Quando o encontra, nova desilusão: ele não a reconhece. São as dores do fim da guerra: a perda da identidade, a perda do marido, a possível traição e o fato de não ser reconhecida. Todas doem no âmago de Nelly, cada uma a seu jeito, e é a partir delas que a jovem ressurge das cinzas.

Ao adaptar o famoso conto da mitologia grega para a dura realidade do pós-Segunda Guerra Mundial, o diretor cercou sua personagem principal de um ambiente bastante realista e sem concessões. Diante do cenário de trevas, não é à toa que a fotografia escura e o tom sombrio reinem durante boa parte do longa-metragem e, aos poucos, as cores ganhem espaço. Por outro lado, tamanho simbolismo ganha vida através da representação da protagonista Nina Hoss. Em um trabalho louvável, ela precisa conter os movimentos faciais próximos ao maxilar devido às limitações de momento da personagem e, aos poucos, soltá-los. Trata-se de uma impressionante progressão contínua, que ressalta o quão difícil é a evolução de sua personagem.

Realista e envolvente, Phoenix é um filme duro de emoções contidas que estão loucas para explodir – em parte pela realidade do momento, em parte por questões culturais do povo alemão. Um ponto negativo é a escalação do galã Ronald Zehrfeld como Johnny. Por mais que haja a intenção de provocar o contraste entre a beleza dele e a ausência nela, ainda assim soa um capricho desnecessário que desvia o foco do tema principal da história. Ainda assim, Petzold demonstra um belo trabalho na construção da ambientação e do clima necessários a Phoenix, bem como na construção do bem dado tapa com luva de pelica presente no desfecho.