Críticas AdoroCinema
5,0
Obra-prima
Blind

Blind precisa ser visto

por Renato Hermsdorff

“O real não importa, desde que eu visualize bem”, sintetiza Ingrid (Ellen Dorrit Petersen) ao se apresentar para o espectador de Blind (Cega). Ela está perdendo a visão – já não enxerga praticamente nada – e, por conta da limitação, se isola em seu apartamento.

Enclausurada, ela tenta se lembrar de “coisas”: como era aquela árvore? Qual a cor da porta daquele prédio mesmo? E o cachorro? Pouco importa se é um pit bull, um pinscher ou um pastor alemão. “Desde que eu visualize bem”.

De início, Blind parece um filme bom. Quase sensorial. A fotografia fria toca a pele de quem assiste como um metal que ficou exposto ao sereno. A partir da (falta de) memória da personagem (o passado), o mundo de Ingrid se revela não só escuro, como gélido (contribui o tom branco neve da tez da atriz, quase albina. E vale lembrar que é uma produção norueguesa, terra de baixas temperaturas).

À medida em que o filme avança, no entanto, o futuro (ou o presente) causa uma certa confusão na cabeça do espectador. Algumas ações parecem não fazer sentido. E não fazem mesmo. Quando se percebe que o mal entendido, na verdade, é proposital (e mais é difícil dizer sem revelar algum tipo de spoiler), Blind, em um raro exercício de cinematografia ousada a serviço da dramaturgia, se confirma como um filme ótimo.

Não à toa, o diretor Eskil Vogt, estreando na direção de longas-metragens, levou o Prêmio de Argumento (Cinema Mundial) no Festival de Sundance, e ainda abocanhou o Prêmio Label Europa Cinemas em Berlim.

Oscilando entre o tédio e a ira, Ellen Dorrit Petersen tem uma atuação cativante. E os coadjuvantes, em personagens bem construídos, não ficam para trás. Delicado e criativo, Blind precisa ser visto.