Críticas AdoroCinema
4,0
Muito bom
As Filhas

Intimidade feminina

por Bruno Carmelo

A trama de As Filhas não parece das mais realistas: uma mãe está em busca de sua filha desaparecida, e durante a procura, atropela uma garota, de quem acaba cuidando como uma mãe. Seja o destino ou o acaso, o roteiro deste drama alemão está preocupado em reunir duas pessoas solitárias (uma mãe sem filha e uma filha sem mãe) e observar como as duas interagem quando estão juntas. Pode não ser um ponto de partida sutil, mas é certamente rico em implicações psicológicas.

É justamente pelo lado do intimismo e do retrato freudiano que parte o filme de Maria Speth. De maneira fria e precisa, a cineasta revela o percurso desta mãe, presa entre quartos de hotel e bares, sentindo-se impotente diante do conflito a resolver. Corinna Kirchhoff interpreta Agnes com uma elegância glacial, lembrando os gestos e expressões que tanto fascinam em outras atrizes mais velhas, como Charlotte Rampling. Nada de choro, nada de atuações em estilo Actor’s Studio: tudo em Kirchhoff é contido, interiorizado, em comunhão com a estética austera da diretora.

De fato, as imagens são frequentemente escuras, estáticas, marcadas pelos ambientes pouco mobiliados, sem pessoas. A diretora consegue usar cenários e figurinos para transmitir a dor da personagem, ao invés de recorrer às frases explicativas e às emoções exteriorizadas. A direção de arte, a luz e a montagem são a própria metáfora do luto simbólico vivido por Agnes.

Em contraste, a garota de quem ela cuida, Ines, é instável, grita, fala o que pensa, leva estranhos para o quarto de hotel, transa com o primeiro que aparecer pela frente. Uma é o símbolo do controle e da discrição, a outra é o símbolo do descontrole e do excesso. A oposição entre as duas é demarcada demais, mas as atuações excelentes de Kirchhoff e Kathleen Morgeneyer tornam suas personagens verossímeis e interessantes.

Dali em diante, cabe à diretora explorar os eventuais sentimentos de raiva, carinho e desejo entre uma e outra. Não é exagero dizer que as duas mulheres são as duas únicas personagens ao longo de todo filme, com raros coadjuvantes ou figurantes cruzando o caminho. Em alguns momentos, a história das duas beira o surreal, o simbólico, quando se explica que os nomes Agnes e Ines são versões alemã e espanhola para o mesmo nome. Sugere-se que as duas são metades de uma mesma mulher, que podem se completar ou se espelhar uma na outra.

As Filhas pode ser associado, tanto pela temática quanto pela estética, ao universo de Ingmar Bergman, que observou em momentos de confinamento os sentimentos mais profundos das mulheres. Persona e Gritos e Sussurros são referências claras para Speth, embora o filme seja marcado por uma abordagem muito mais fria e distanciada do que Bergman jamais adotou.

Talvez seja este fator que incomode um pouco no filme: a distância que a cineasta estabelece em relação às protagonistas, recusando percorrer as peles, as texturas, a respiração de cada uma. A câmera está sempre posicionada a três passos de Agnes e Ines, observando com interesse, mas sem envolvimento, este universo feminino. Mesmo assim, Speth consegue realizar um belo estudo de personagens, demonstrando uma inteligência notável na direção.