Ciranda dos solitários
por Bruno CarmeloA primeira cena deste drama belga pode chocar alguns espectadores: o adolescente Lucas (Nahuel Perez Biscayart) está se masturbando diante da webcam, pedindo dinheiro àqueles que o assistem e implorando, aos prantos, que alguém o leve de Buenos Aires, porque não tem casa, amigos nem família. A imagem é tão explícita quanto triste, algo que dita o tom do filme: em Sou Todo Teu, o sexo é triste, os corpos são frágeis e buscam um pouco de amor.
Lucas responde ao apelo do padeiro gay Henry (Jean-Michel Balthazar), que o abriga em sua casa na Bélgica para ser uma espécie de namorado de aluguel. A dinâmica complexa entre a dupla gera a maior parte dos conflitos desta narrativa: Henry é solitário e obtém carinho através de Lucas, enquanto o garoto, heterossexual, cede contra a sua vontade ao flerte do anfitrião. Este é um relacionamento artificial, sem amor, marcado por uma série de violências simbólicas (a dependência financeira) e físicas (o sexo forçado). Entra em cena a viúva Audrey (Monia Chokri), igualmente triste e carente, que também encontra em Lucas um ombro amigo.
Sou Todo Teu é construído a partir de uma lógica deprimente: nesta minúscula cidade com poucos habitantes, poucas distrações e raras oportunidades de emprego, os protagonistas se veem atraídos uns pelos outros por falta de opção. Surge entre eles uma relação de dependência: ninguém consegue partir, por medo de perder as migalhas de afeto. A noção de família torna-se bastante complexa num triângulo em que o pai simbólico e a mãe simbólica envolvem-se sexualmente com o próprio filho (simbólico, é claro).
O diretor David Lambert conduz suas cenas de maneira naturalista, poética, sem apelar para o melodrama, mas forçando seus atores a atuarem um nível acima do realismo. De certo modo, eles são símbolos de figuras rejeitadas pela sociedade (a mãe solteira, o jovem delinquente, o homem obeso e gay), que portam em seus corpos as marcas da exclusão: um é gordo demais, outro é pequeno e magro demais, e a terceira traz no pescoço a aliança do marido morto. Lucas, Audrey e Henry carregam consigo uma chaga social aparentemente incontornável.
Rumo ao final, Sou Todo Teu recorre a algumas facilidades que enfraquecem a narrativa, como revelações trágicas e reconfigurações improváveis nos relacionamentos. Mas isso não invalida o olhar afetuoso e honesto do diretor, capaz de criar cenas comoventes como o abraço na cozinha da padaria, ou a noite passada no sofá da casa. Lambert não sabe muito bem que futuro oferecer aos três personagens, mas explora com atenção os pequenos laços que constroem entre si.
Filme visto no 23º Festival Mix Brasil de Cultura da Diversidade, em novembro de 2015.