O lobo solitário sob ameaça
por Francisco RussoUma das cenas mais emblemáticas de Jack Reacher - O Último Tiro traz o personagem principal rodeado por uma gangue, derrotando-os um a um graças às suas habilidades na luta corpo-a-corpo - com uma certa dose de violência, é bom ressaltar. É curioso notar que o início deste Sem Retorno, segundo filme com o personagem criado por Lee Child, dialoga diretamente com esta cena do original. Não no sentido de reprisá-la, mas de contar que o espectador saiba de antemão do que Reacher é capaz e, desta forma, aplique imediatamente nele a aura de infalível e implacável - que, em certos momentos, mais atrapalha do que ajuda.
Se por um lado trata-se de uma conexão interessante para quem assistiu ao anterior, por outro é também frustrante por negar ao público a oportunidade de uma boa cena de luta, no melhor estilo Jack Reacher. Ainda assim, trata-se de uma opção compreensível por parte do diretor Edward Zwick, dentro da forma como deseja (re)apresentar o personagem-título. Difícil mesmo é entender o porquê da escolha de um elenco tão genérico, ainda mais após o primeiro filme trazer nomes do quilate de Robert Duvall e Werner Herzog - atuando! Tirando Cobie Smulders, o que se vê em cena é um elenco sem carisma algum, com pinta de telefilme. A começar pela fraquíssima Danika Yarosh, a aborrecente da vez, que chega a constranger na cena em que finge o choro, dentro do carro.
A bem da verdade, o roteiro de Jack Reacher: Sem Retorno também não ajuda muito. Há no filme uma série de gatilhos, narrativos e estéticos, implantados de forma a deixar tudo bem mastigado para o espectador. Um exemplo: logo no início do filme, há uma série de situações criadas de forma que Reacher ressalte que é um ex-militar - tudo para, logo em seguida, colocá-lo em conflito com o atual status quo militar. Outro: o lado implacável de Reacher sempre possibilita que ele preveja a aproximação de seus inimigos, venham de onde vierem - e a câmera, em vários momentos, anuncia tais ataques. Mais um: a trilha sonora de Henry Jackman volta e meia antecipa os momentos de tensão, dizendo ao espectador o que ele deve esperar.
Diante de tais problemas, sobra ao filme o frescor trazido pela personagem de Cobie Smulders. Por mais que a atriz até esteja bem em cena, demonstrando um vigor físico notável, o mais interessante mesmo é o modo como o filme aborda a posição da mulher em um ambiente tão masculinizado como o exército. Chama a atenção também que, nas cenas em que Cobie e Tom Cruise contracenam juntos, ela jamais se coloca em posição inferior à do astro - e, da mesma forma, como existe entre eles um certo flerte, camuflado pela dureza trazida pelo próprio ambiente militar, algo bem nítido especialmente nas cenas em que ambos dividem o quarto.
Além disto, Sem Retorno insinua modificar um pouco a natureza meio James Bond de seu personagem principal, no sentido dos eventos ocorridos modificarem a cronologia, através de sua caracterização como lobo solitário. A construção de um certo núcleo familiar em determinado momento do filme gera um Reacher um tanto quanto desconcertado, devido às suas dificuldades sociais em lidar com a situação. Trata-se de um dos raríssimos momentos em que o personagem principal enfim se vê ameaçado, demonstrando alguma fragilidade.
Com um Tom Cruise burocrático e uma história sem grandes atrativos, além da questão envolvendo a personagem de Cobie Smulders, Jack Reacher: Sem Retorno é um mix de drama e ação genérico, sem grande brilho. Se os livros escritos por Lee Child fazem imenso sucesso, ainda é difícil compreender, com base nos filmes, a suposta popularidade do personagem - que, na verdade, no cinema pode ser creditada muito mais à presença de Cruise como seu intérprete.