Críticas AdoroCinema
3,0
Legal
Vida Selvagem

Exteriores

por Bruno Carmelo

Os créditos de Vida Selvagem apresentam uma dupla de produtores muito especiais: os irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne, conhecidos por obras realistas de cunho social. A história real que serve de inspiração a este drama poderia de fato se prestar a um filme da dupla belga. Paco (Mathieu Kassovitz) e Nora (Céline Sallette) formam um casal aberto à natureza e contrário aos valores do capitalismo. Eles criam os filhos em liberdade, mas quando o casal se rompe, Paco sequestra os dois filhos mais novos e vive durante onze anos escondido com os dois dentro da floresta.

O diretor da empreitada, no caso, é Cédric Kahn, que emprega ao filme um tom muito pessoal. Contrário ao distanciamento crítico, ele pretende imergir o espectador no estilo de vida dos personagens, com direção crua e tom urgente. Na prática, isso significa usar cortes rápidos e muitas câmeras na mão, bem próximas do rosto dos personagens, especialmente nos momentos em que gritam uns com os outros. O terço inicial e o terço final da história, quando surgem as maiores brigas, tornam-se tão naturalistas quanto histriônicos. Interessa ao diretor menos a compreensão de cada personagem do que a sensação de caos.

A decisão de aproximar a câmera nos momentos de catarse, e de se afastar nos trechos de calmaria faz de Vida Selvagem uma obra de opostos. Existe espaço para a saturação dos sentidos (a câmera tremendo freneticamente durante a fuga de Paco com as crianças) e também para a monotonia, quando Paco espera o tempo passar com os garotos, atrás de arbustos ou sobre as montanhas. A narrativa funciona como uma montanha russa, com altos e baixos emocionais.

Os primeiros anos de fuga, quando a narrativa se concentra nos adultos, fornecem as melhores cenas. Os estilos distintos do contido Kassovitz e da expansiva Sallette equilibram bem as cenas, enquanto a produção capricha em cenários, figurinos e no uso da luz natural. Quando as crianças se tornam protagonistas da história, a trajetória perde sua força, pois Romain Depret é um ator particularmente limitado em cena. Ao mesmo tempo, os saltos no tempo são ilustrados do modo mais simples possível, com imagens de datas em jornais e inclusão de citações aos dias e meses nos diálogos.

Talvez Vida Selvagem não forneça a grande catarse emocional que os filmes dos irmãos Dardenne costumam proporcionar, por exteriorizar demais a carga emocional. Em sua implacável transparência, os protagonistas não permitem surpresas no caminho rumo à conclusão. Mesmo assim, o filme cativa pelas atuações dedicadas pela dupla adulta central. Seus personagens poderiam se tornar caricatos sem o devido cuidado, mas Kahn apresenta um olhar humanista na condução dos personagens.