Olhar infantil
por Francisco RussoO sempre acirrado mercado de animações faz com que os grandes estúdios, cada vez mais, ampliem o radar de olho em oportunidades nem sempre escancaradas. Foi assim que a Blue Sky investiu no revival de Snoopy e Charlie Brown em Peanuts, O Filme, apostando na nostalgia, e é assim também que a DreamWorks foi atrás de uma série de livros até conhecida, mas meio underground: Capitão Cueca. Em ambos os casos, de olho em inspiração que, é claro, possa ser adaptada ao público infantil nas telonas.
No caso do Capitão Cueca, nem foi tão difícil assim pela própria natureza dos personagens. Estrelada por duas crianças que são muito amigas e que aprontam bastante, o filme gira em torno de um universo absolutamente lúdico e infantil, como se fosse o olhar dos próprios Jorge e Haroldo. Poucos são os adultos presentes, e sempre sob um viés estereotipado: é o diretor rabugento e ranzinza, a funcionária tímida, o vilão com sotaque germânico - para de imediato provocar a associação aos nazistas -, fora um aqui e outro ali que surgem apenas para piadas rápidas, típicas de uma tira em quadrinhos. Até mesmo o Capitão Cueca, super-herói que dá título ao filme, possui tons claramente infantilizados por ser ele criado pelos próprios Jorge e Haroldo - curiosamente, são as crianças os verdadeiros protagonistas.
Este, no fim das contas, é o aspecto mais interessante da animação. Ao inserir na trama uma verdadeira devoção às histórias em quadrinhos, não só ao estabelecer a origem do super-herói mas também no próprio desenvolvimento da história, As Aventuras do Capitão Cueca entrega uma certa subversão narrativa que surpreende pelo inusitado, especialmente em um filme voltado ao público infantil. O que, por sua vez, compensa a ausência de uma trama melhor desenvolvida e alguns exageros acerca do universo infantil - a canção "Eu amo sabadão!", especialmente.
Dentro deste contexto, As Aventuras do Capitão Cueca remete bastante ao histórico videoclipe de "Another Brick in the Wall", do Pink Floyd - há até uma cena que reproduz as crianças enfileiradas, de cabeça baixa, caminhando tacitamente rumo à escola. Tudo devido ao confronto entre rigor e diversão estabelecido pela história, através das estripulias da dupla Jorge & Haroldo contra os desmandos do diretor Krupp em uma história repleta de piadas curtas que, na medida do possível, insere várias das aventuras vistas nos livros escritos por Dav Pilkey. Só que, por mais que sejam facilmente identificáveis por quem acompanha os livros, trata-se também de um humor extremamente ingênuo que, na maioria dos casos, não funciona a contento.
Por mais que seja bem intencionado, e até traga um frescor acerca da inserção das HQs na trama, As Aventuras do Capitão Cueca é um filme irregular que, apesar dos 89 minutos de duração, cansa bastante. Trata-se de uma clássica história de origem sobre o Capitão Cueca que nem sempre é bem fundamentada, mesmo diante do tom escancaradamente lúdico e fantasioso que assume.